CHARGEBACK E A RESPONSABILIDADE DA INTERMEDIADORA FINANCEIRA

Em razão das medidas restritivas e de isolamento social, que começaram a ser adotadas em março de 2020 a fim de evitar o contágio da COVID-19, não é nenhum mistério que as compras online, que já estavam em grande crescimento, passaram a ser a primeira opção de muitos brasileiros.

Segundo levantamento realizado pela Ebit/Nielsen, em parceria com a Elo, apenas no primeiro semestre de 2020, o faturamento com o comércio eletrônico subiu 47%, atingindo a marca de R$ 38,8 bilhões de reais[1].

Com o crescimento do comércio eletrônico, é muito importante que os consumidores e comerciantes estejam sempre atentos às diversas modalidades de fraudes perpetradas por terceiros no meio eletrônico, em especial àquelas que envolvem o chamado chargeback.

Trata-se do cancelamento de uma compra online realizada através de cartão de débito ou crédito, normalmente em razão do não reconhecimento da compra pelo titular do cartão.

Todavia, esse mecanismo que deveria atribuir segurança aos consumidores no universo digital, muitas vezes acaba por prejudicar os lojistas, especialmente em razão das fraudes perpetradas por terceiros.

Isso porque os critérios adotados pelas operadoras de cartão de crédito para autorizar os cancelamentos de compras realizadas em ambiente eletrônico, por vezes, não são muito claros e rigorosos, bastando uma simples ligação telefônica para que a compra seja cancelada.

Além disso, o prazo para a solicitação de chargeback pode chegar a 180 dias após a finalização do pagamento.

Nesse cenário, é certo que muitas vezes o lojista apenas recebe o comunicado do chargeback após a entrega dos produtos.

Nas hipóteses em que o comerciante possuir provas de que o titular do cartão realmente fez compra e recepcionou o produto, é possível contestar o cancelamento junto à operadora de cartão de crédito.

Nos casos em que a compra realizada realmente for decorrente de fraude, apesar da impossibilidade de contestação do cancelamento de forma administrativa, ainda assim é possível minimizar os prejuízos suportados pelo e-commerce.

Isso porque, segundo o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao verificar quem deve suportar o dano decorrente do cancelamento da operação de compra, é necessário considerar (i) o nível de integridade do banco de dados da vendedora e da intermediadora financeira, com sistemas de segurança para evitar o hackeamento de informações pessoais de compradores para utilização em transação diversa, em ambiente criptografado; bem como, (ii) o sistema “antifraude” com base no perfil do consumidor, histórico de compras e outras informações compartilhadas pelas operadoras de cartões e empresas de análise de risco para pagamento seguro.

Feitas essas análises, o entendimento adotado pelo TJSP é no sentido de que a intermediadora é contratada justamente para minimizar as situações de fraudes, de modo que a análise prévia antes da operação junto à administradora do cartão de crédito constitui risco de sua atividade empresarial, que não pode ser repassada ao e-commerce, salvo na hipótese em exista prova de que tenha alertado o comerciante acerca do risco da transação.

Quando do julgamento do recurso de apelação nº 1079531-56.2016.8.26.0100, pela 12ª Câmara de Direito Privado do TJSP, foi reconhecida a abusividade da cláusula contratual que transferia a responsabilidade da atividade econômica da intermediadora para o credenciado (lojista).

Da mesma forma, em julgamento recente, a 24ª Câmara de Direito Privado do TJSP (apelação nº 1004449-53.2020.8.26.0011) se posicionou no sentido de que a operadora de cartão de crédito não pode eximir-se de sua responsabilidade em relação ao serviço prestado de forma defeituosa, mostrando-se abusiva a cláusula que possibilita, em caso de suspeita de fraude, a retenção de quantias oriundas de transação comercial, mesmo após ter sido efetivamente aprovada pela própria operadora do sistema.

Nesse contexto, é possível verificar que, nos casos em que o e-commerce proporciona uma plataforma segura aos seus consumidores, caso a compra seja aprovada pela operadora de cartão de crédito e, posteriormente, seja objeto de chargeback, é possível acionar a operadora responsável para que seja responsabilizada pelos danos suportados pelo lojista.

 


[1] “Vendas online no Brasil crescem 47% no 1º semestre, maior alta em 20 anos”. Por Carolina Ingizza. Disponível em: https://exame.com/pme/e-commerce-brasil-cresce-47-primeiro-semestre-alta-20-anos/