TRIBUNAL DE JUSTIÇA NEGOU VIGÊNCIA ÀS CLÁUSULAS DE TESTAMENTO QUE NÃO ESTAVAM ADAPTADAS AO CÓDIGO CIVIL DE 2002

No Brasil, por mais de oito décadas[1], o direito sucessório foi regido pelo Código Civil de 1916 – também conhecido como Código Beviláqua.

A Lei, contudo, foi modificada em 2002, e, com ela, diversas regras relacionadas às heranças também foram modificadas.

Ao fazer um testamento, sob a vigência do antigo Código, era possível que, independentemente da declaração dos motivos, incluíssem-se cláusulas restritivas de direito de herdeiro[2]. Nesse sentido, seria possível, por exemplo, impedir que o imóvel recebido como herança fosse vendido, através da inserção da conhecida “cláusula de inalienabilidade”.

A inclusão destas cláusulas, muitas vezes, visa a proteção de determinado bem, a fim de mantê-lo seguro no patrimônio da família.

Entretanto, com as modificações legislativas, a lei Civil passou a exigir o preenchimento de alguns requisitos para o reconhecimento de validade. Dentre eles, que o testador declare sua justificativa ao inserir estas cláusulas especiais de restrição[3]. E mais, fixou prazo para que os testamentos fossem adaptados às novas regras[4].

Em outros termos, tais disposições não são mais vistas apenas como um ato de mera liberalidade, eis que não podem mais ser perpétuas e devem vir acompanhadas de uma justificativa plausível – podendo ser relativizadas e canceladas mediante autorização judicial.

Recentemente, ao decidir num caso concreto[5], o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu anular cláusulas de impenhorabilidade e de incomunicabilidade expressas em  testamento.

Segundo decidiu o Tribunal, as cláusulas se tornaram inválidas à medida que a testadora deixou de editar seu testamento para incluir as razões pelas quais buscou restringir os direitos dos herdeiros sobre os bens da legítima.

Isso significa que, embora seja muito recomendável a confecção de um testamento, é sempre essencial o apoio especializado para mantê-lo ajustado à legislação mais recente, garantindo, assim, o integral cumprimento da vontade do testador no momento da sua abertura, registro e cumprimento.

 


[1] Em 10 de janeiro de 2002, foi sancionada a Lei n.º 10.406 para instituir o novo Código Civil que entrou em vigor um ano após a sanção, em 10 de janeiro de 2003.

[2] Art. 1.723 do Código Civil de 1916: A legítima dos herdeiros, fixada pelo art. 1.721, não impede que o testador determine que sejam convertidos em outras espécies os bens que a constituam, prescreva-lhes a incomunicabilidade, atribua à mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual não prejudicará a livre disposição testamentária, e, na falta desta, a transferência dos bens aos herdeiros-legítimos, desembaraçados de qualquer ônus.

[3] Art. 1.848 do Código Civil de 2002: Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

[4] Art. 2.042 do Código Civil de 2002: Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei n o 3.071, de 1 o de janeiro de 1916 ; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição.

[5] Agravo de Instrumento n.º 2036063-24.2022.8.26.0000 relatado pelo Desembargador Giffoni Ferreira à 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 29/04/2022.

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