COVID-19 E O FATO DO PRÍNCIPE

São inúmeras as discussões sobre os impactos nas relações trabalhistas no atual cenário de pandemia. No Brasil, foi editada Lei Federal de Quarentena (Lei nº 13.979/2020) e foi declarada pelo Congresso Nacional situação de calamidade pública até 31/12/2020, atendendo a pedido do governo federal. Inúmeros Decretos foram editados pelos Estados e Munícipios em sentido análogo, inclusive estabelecendo regimes de quarentena.

Ocorre que, nesta data de 27/03/2020, o Presidente Jair Bolsonaro, afirmou que “prefeitos e governadores que decretaram fechamento do comércio por causa da pandemia do coronavírus terão que pagar indenização a trabalhador por paralisação”. E as discussões agora são direcionadas sobre a pertinência desta declaração frente à teoria do Fato do Príncipe.

De fato, tal teoria é prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 486, que determina que, em caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

Assim, o Fato do Príncipe autorizaria que as verbas rescisórias a serem pagas aos empregados ficassem a cargo da autoridade coatora. E, em se tratando de reconhecimento de força maior que impede o empregador de adimplir suas obrigações, aplica-se o entendimento trazido na própria CLT, em seu artigo 502, II, com o pagamento pelo empregador de metade das verbas que seriam devidas em caso de rescisão sem justa causa, sendo possibilitada inclusive a dispensa de pagamento do aviso prévio.

Na jurisprudência trabalhista atual, são raras as hipóteses de autorização legal, pois normalmente a teoria do Fato do Príncipe, de origem do Direito Administrativo, é aplicada em contratos entre o Estado e particulares, o que não ocorre nas relações de trabalho, que se dão entre particulares (empregados e empregadores).
Justamente porque o risco da atividade econômica é do próprio empregador (art. 2º, § 2º da CLT e art. 170, III da CF), não pode repassá-lo a terceiro, o que inclui órgão da administração pública, donde é esperada a prova cabal da sua indevida interferência.

Não é demais registrar que o fechamento (temporário) de estabelecimentos determinado pelos governos estaduais e municipais a alguns setores da economia, em um primeiro momento, durará uma média de até 2 semanas. Assim, há de se ponderar qual o efetivo impacto do período de suspensão de atividades, em contraponto com a possibilidade de adoção das medidas flexibilizadoras da legislação trabalhista impostas pelo Governo Federal no artigo 3º da MP 927/2020.

Demais disso, é importante registrar que a aplicação da teoria do Fato do Príncipe tem como pressuposto, além do nexo causal com o ato da Administração, a imprevisibilidade, o que não guarda semelhança com as quarentenas de 15 dias que muitos Estados e Municípios impuseram à população nos últimos dias, especialmente porque foi reconhecida pelo Governo Federal a hipótese de força maior (art. 501 da CLT) na MP 927/2020.

Por tais motivos, entendemos pela inaplicabilidade da teoria do Fato do Príncipe em razão dos dias de paralisação do trabalho, sendo que a tendência é que o Poder Judiciário não acate pedidos das empresas que pretendam obter do Estado uma indenização pelos salários pagos durante as quarentenas.

 

 

 

MAURICIO GASPARINI

mauricio.gasparini@fius.com.br

 

MARIANA BISSOLLI CEREZER

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