ATÉ QUANDO? TRABALHO ESCRAVO AINDA É REALIDADE NO BRASIL

Lamentavelmente, seguimos descobrindo casos de trabalho escravo no país, mesmo quase 135 anos após a abolição da escravatura e de décadas de avanços na legislação trabalhista. O caso mais recente e alarmante foi o envolvendo trabalhadores recrutados por empresa vinculada à famosas vinícolas no Rio Grande do Sul, mas, em geral, o trabalho escravo contemporâneo é muito mais comum do que se imagina e veicula.

Normalmente, o que se verifica durante os resgates é a submissão de empregados a jornadas exaustivas, que extrapolam o limite do razoável, com condições degradantes, como concessão de comida imprópria para o consumo e habitação sem condições mínimas de higiene e segurança, além de trabalho forçado, com retenção de documento e do direito de ir e vir, além de servidão por dívida, baixíssima contraprestação pelos serviços prestados e, até mesmo, sequestro e violência.

Não são poucos os relatos de violência física e psicológica. Se toda a situação já não fosse suficientemente chocante, o Brasil registrou em 2023 casos de trabalho análogo à escravidão com, inclusive, uso de choque elétrico e spray de pimenta.

Normalmente, os profissionais são enganados por propostas tentadoras de trabalho em outra cidade ou até mesmo em outro país, e acabam se deparando com uma situação enganosa e de realidade degradante. Há aqueles que sequer se iludem, pois já aceitam condições ínfimas pela necessidade de trabalho, sustento e sobrevivência de suas famílias.

Segundo dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Previdência, 2.575 trabalhadores em condições análogas às de escravo foram resgatados em 2022, em atenção a 462 fiscalizações realizadas em todo país durante o ano. Os números já são chocantes e, convenhamos, sequer devem revelar inteiramente a realidade, já que, certamente, há situações ainda não descobertas, envolvendo empresas de grande, médio e pequeno porte e, até mesmo, casos de trabalhadores domésticos, como relatado no famoso podcast “A Mulher da Casa Abandonada”.

Pensando nas atividades econômicas das empresas envolvidas em trabalho escravo, as principais estão relacionadas ao cultivo de cana-de-açúcar (362 pessoas) e atividades de apoio à agricultura (273).

Inclusive, de 1995 a 2022, com o início de específicas fiscalizações, o Brasil já contabilizou mais de 60 mil vítimas de trabalho escravo, sendo inegável a absurda e gravíssima violação aos direitos humanos. A busca pela lucratividade jamais poderá ser tolerada se desenfreada, a ponto de prejudicar direitos básicos dos empregados e, claro, de todo e qualquer ser humano.

O óbvio ainda precisa ser dito. As empresas possuem função social e o dever de zelar pelo bem-estar de seus empregados e, até mesmo, de terceirizados. É obrigação da empresa que contrata serviços terceirizados a fiscalização da execução do trabalho, devendo a tomadora de serviços certificar se a prestadora está se atentando à legislação trabalhista, não sendo suficiente a alegação de que não tinham conhecimento das práticas adotadas pela empresa contratada.

Como bem pontuado pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes, o compromisso com a erradicação do trabalho escravo contemporâneo deve ser de toda a sociedade, sendo necessária a repressão por processos rápidos, com efetiva responsabilização civil e trabalhista dos infratores, mediante condenações de multas e indenizações que os façam compreender e sentir a gravidade das violações cometidas.

Não é demais pontuar, ainda, que para além de penalizações na Justiça, as empresas que estiverem envolvidas com trabalho escravo, direta ou indiretamente, estão sujeitas a boicote massivo pelos consumidores e parceiros comerciais, eis que é crescente a preocupação da sociedade com os valores das marcas e seu posicionamento sobre questões sociais.

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