Transição sob incerteza: o tratamento de IBS/CBS na base do ICMS e o contencioso anunciado

Da proposta original ao silêncio normativo: a mudança de trajetória da reforma

A possibilidade de o IBS e a CBS compor a base de cálculo do ICMS se tornou um dos temas mais sensíveis da transição da Reforma Tributária. Em 2019, a PEC 45/2019 estruturou o modelo de IVA dual com uma regra explícita: os novos tributos não integrariam a base do ICMS, justamente para evitar sobreposição entre regimes e preservar a neutralidade do sistema.

Esse desenho foi alterado na etapa final de votação. Em 2023, a cláusula de exclusão foi suprimida na segunda análise pela Câmara dos Deputados, e a EC 132/2023 foi promulgada sem o texto previamente aprovado, o que resultou em um silêncio normativo e abriu espaço para leituras divergentes sobre a base de cálculo do ICMS.

A regulamentação, até o momento, não solucionou esse impasse. O PLP 108/2024 e a LC 214/2025 trataram de aspectos de governança, incidência e mecanismos operacionais, mas permaneceram omissos quanto à interação com os tributos atualmente vigentes. Apenas o PLP 16/2025 — ainda em tramitação, aguardando parecer na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara — propõe restabelecer em lei complementar que IBS e CBS não integram a base do ICMS, retomando a diretriz originalmente prevista na PEC 45.

 

Convergências e divergências iniciais na transição: Estados e União Federal

As primeiras soluções de consulta indicaram que a controvérsia sobre a inclusão de IBS e CBS na base do ICMS rapidamente deixou o plano teórico. Logo no início da transição, os Estados adotaram posições divergentes. O Distrito Federal adotou uma postura restritiva: por meio da SC Nº 23/2025, de 24 de novembro de 2025, afirmou que, em 2026, IBS e CBS não devem integrar a base do ICMS. Isso porque o ano de 2026 seria destinado à calibragem, com esses tributos sendo apenas destacados na nota fiscal, sem impactar a base do imposto.

Outros Estados seguiram linha semelhante. Pará, Goiás e Espírito Santo declararam que IBS/CBS não entram no cálculo em 2026. O Paraná sinalizou a mesma direção, mas reconheceu que ainda não há comunicado oficial. O Rio de Janeiro indicou que a aplicação ocorrerá caso a caso, e Santa Catarina afirmou que os tributos devem integrar as alíquotas-teste, embora a operacionalização permaneça em estudo.

Pernambuco esclareceu que IBS e CBS não integrarão a base de cálculo do ICMS em 2026.

São Paulo, na Consulta Tributária nº 00032303/2025, adotou posição intermediária: reconhece que IBS/CBS tendem a compor o valor da operação quando exigíveis, mas afasta sua inclusão em 2026, por considerar o período meramente calibratório.

Esse quadro é ainda tensionado pela União Federal. Em eventos públicos, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, tem defendido que IBS e CBS integrem a base do ICMS ao longo da transição, em nome da neutralidade arrecadatória, embora reconheça que essa solução não esteja expressamente positivada. Na prática, o discurso federal pró-inclusão convive com o silêncio normativo e com orientações estaduais divergentes, formando um cenário heterogêneo que já antecipa potencial contencioso.

 

Argumentos favoráveis aos contribuintes

A eventual inclusão de IBS e CBS na base de cálculo do ICMS esbarraria no próprio conceito de valor da operação, que corresponde ao preço destinado a remunerar o fornecedor. Como os novos tributos foram desenhados para permanecer destacados do preço e direcionados ao Fisco, não se confundiriam com a contraprestação econômica alcançada pelo ICMS, especialmente em um modelo futuro de split payment, no qual esses valores sequer transitariam pelo patrimônio do contribuinte.

A inclusão de IBS e CBS na base do ICMS também colide com os objetivos de transparência e simplicidade do novo modelo. Tributos concebidos para serem destacados e claramente identificáveis passariam a operar “por dentro”, ocultando parte da carga tributária e dificultando sua identificação. Além disso, essa lógica obrigaria as empresas a recalcular bases artificialmente ampliadas, contrariando a diretriz de uniformização e clareza que orientou a concepção do IVA dual.

Sob a ótica da legalidade, ampliar a base do ICMS para alcançar IBS e CBS equivaleria a estender uma regra concebida para uma realidade anterior a tributos que sequer existiam à época de sua edição. A legislação do ICMS não inclui esses novos tributos entre os elementos do valor da operação. Na ausência de previsão expressa, converter o silêncio normativo em autorização significaria alterar a base de cálculo por analogia, e não por lei, o que amplia a incerteza e potencializa disputas no período de transição.

 

Reflexos para a transição

A ausência de definição centralizada, somada a posicionamentos conflitantes entre os fiscos estaduais, indica potencial relevante de contencioso ao longo da transição. Para as empresas, o foco imediato deve ser acompanhar a tramitação do PLP 16/2025, monitorar as orientações dos estados em que atuam e avaliar medidas preventivas nos casos em que já haja sinalização de inclusão. Até que se consolide uma posição normativa ou judicial, a gestão de risco exigirá acompanhamento contínuo e estratégico.

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