A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) vem adotando medidas para disciplinar, de forma mais clara, a responsabilidade por custos adicionais no transporte marítimo e nas operações portuárias, especialmente em temas sensíveis como armazenagem adicional, sobrestadia de contêineres e demurrage.
Em março de 2024, a Resolução nº 112/2024 aprovou uma matriz de risco para identificar o agente responsável pela armazenagem adicional de cargas nas instalações portuárias. Entre os eventos listados, a norma estabelece que, em caso de greve ou outros movimentos de servidores da Receita Federal do Brasil ou de órgãos intervenientes, a responsabilidade é do comércio e logística de cargas (usuário), o que significa que o importador ou exportador arca com os custos, mesmo quando não possui controle sobre o evento.
Esse ponto ganhou relevância durante a recente greve dos auditores fiscais da Receita Federal, que provocou forte represamento de mercadorias e elevados custos de armazenagem. Na prática, cargas ficaram retidas sem possibilidade de liberação aduaneira, mas o ônus financeiro recaiu sobre os usuários, gerando questionamentos quanto à proporcionalidade e à justiça dessa transferência de risco.
A tensão sobre essa alocação de custos se intensifica diante das decisões judiciais que passaram a excluir a responsabilidade do importador nos casos de pagamento de demurrage, inclusive com decisão judicial recente que condenou a ANTAQ de forma solidária ao ressarcimento desses valores, quando cobrados indevidamente. O Judiciário entendeu que, ao exercer seu poder regulatório, a agência também responde pela razoabilidade e equilíbrio das normas que edita, evitando onerar desproporcionalmente uma das partes da cadeia logística em situações de força maior.
Em 31 de julho de 2025, a ANTAQ aprovou um entendimento regulatório específico para a sobrestadia de contêineres, sem alterar normas vigentes, mas fixando premissas claras para coibir cobranças abusivas. Em uma notícia veiculada no site do governo[1], a diretora-relatora Flávia Takafashi destacou que a cobrança de sobrestadia é legítima, mas deve se restringir a situações em que a utilização do contêiner, além do período de livre estadia, ocorra por interesse, opção ou culpa do usuário, ou quando o evento causador se insira nos riscos do seu negócio.
Pelo novo entendimento, não é admissível a cobrança quando o atraso decorre de ato ou omissão do transportador marítimo, do terminal portuário ou do depósito de contêineres vazios, nem quando o evento causador esteja além do risco do negócio. Assim, paralisações ligadas à estrutura logística do transportador ou a problemas operacionais do porto não podem justificar a cobrança.
O contraste entre a abordagem da Resolução nº 112/2024 — que imputa ao usuário os custos de armazenagem em greves da Receita Federal — e as diretrizes mais equilibradas sobre sobrestadia revela uma possível inconsistência regulatória. Enquanto a nova diretriz afasta a cobrança quando o evento foge do controle do usuário, a matriz de risco anterior mantém a cobrança integral em casos análogos, como as paralisações aduaneiras.
Diante disso, é possível que o entendimento mais recente sobre sobrestadia sirva de base para futuras revisões da matriz de risco da Resolução nº 112, aproximando-a de um modelo mais proporcional e juridicamente sustentável. Até lá, permanece aberto um campo fértil para contestações administrativas e judiciais, especialmente em cenários de greve ou intervenção estatal que gerem custos expressivos para importadores e exportadores.
[1] https://www.gov.br/antaq/pt-br/noticias/2025/antaq-aprova-entendimento-regulatorio-acerca-da-cobranca-de-sobrestadia-de-conteiner