VALIDADE DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL EM CONTRATOS ENVOLVENDO RELAÇÃO DE CONSUMO

Ao tratarmos das relações de consumo no cotidiano das empresas fornecedoras de produtos ou serviços, sempre há um aspecto que norteia todas as ações: a vulnerabilidade do consumidor.

Essa notória vulnerabilidade abrange, principalmente, os aspectos técnicos desse consumidor – o contratante – uma vez que seu conhecimento muitas vezes não lhe possibilita compreender com clareza as especificidades da contratação.

É exatamente por esse motivo que o Código de Defesa do Consumidor vedou, expressamente, a existência de cláusula contratual que determine a utilização compulsória de arbitragem para resolução de conflitos, conforme seu artigo 51, inciso VII. Considera-se, portanto, que tal previsão seria nula de pleno direito, ou seja, não teria qualquer efeito perante ao consumidor contratante.

Essa disposição representa uma proteção extra à parte vulnerável da relação, que é o cerne das leis consumeristas, pois uma cláusula compromissória arbitral serve como uma abdicação ao acesso à jurisdição do Poder Judiciário e ao direito de ação propriamente dito, obrigando os contratantes a submeterem seu conflito a uma Câmara Arbitral, o que pode representar custos muito elevados.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento[1] de que esta cláusula compromissória de arbitragem poderá, sim, ser válida, desde que o consumidor contratante que tome a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressa e destacadamente, com a sua instituição, afastando a compulsoriedade que muitas vezes acompanha os contratos de adesão, por exemplo.

Assim, de acordo com esses precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a instauração de arbitragem pelo consumidor vincula fornecedor ou prestador de serviços, mas a recíproca não se mostra verdadeira, porque a propositura de arbitragem pela empresa contratada depende de concordância expressa do consumidor, não sendo suficiente mera aceitação da cláusula compromissória realizada no momento da assinatura do contrato.

É importante sempre ter em mente que, para reforçar sua validade perante ao consumidor contratante, a cláusula compromissória arbitral deve ser sempre “cheia”, ou seja, deve ter disposição expressa das regras que conduzirão eventual arbitragem, indicando a Câmara responsável e demais regras particulares para instauração do Tribunal Arbitral, e não apenas a disposição sobre a opção pela arbitragem, pura e simples.

Cumprindo todos esses requisitos, o STJ entendeu não haver qualquer forma de abuso, na medida em que o consumidor deteria o poder de libertar-se da via arbitral para solucionar qualquer conflito envolvendo a empresa contratada, dando maior efetividade para um método de solução de conflitos que visa resolver demandas com tecnicidade e eficiência, utilizando, acima de tudo, um procedimento criado para atender as especificidades das partes.

De qualquer forma, percebe-se maior aceitabilidade do Poder Judiciário ao procedimento arbitral também na relação consumerista, abrindo novas oportunidades aos fornecedores e consumidores na forma de contratação e de resolução de conflitos.

 

[1] REsp 1628819/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 15/03/2018

REsp 1189050/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 14/03/2016

 

Lucas Vieira Cicala

lucas.cicala@fius.com.br

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