A PROBLEMÁTICA DAS DEMANDAS JUDICIAIS SOBRE A SAÚDE NO BRASIL

A Constituição Federal garante em seus artigos 6º e 196 o direito à saúde de todos, mediante às políticas sociais e econômicas de responsabilidade do Poder Público, o qual deverá regulamentar, fiscalizar e controlar as ações e os serviços de saúde visando o acesso universal e igualitário na prevenção, proteção, tratamento e recuperação de qualquer enfermidade ou moléstia.

Todavia, em razão da alta demanda e das falhas estruturais do sistema de saúde, essa garantia prevista pela Constituição Federal não é executada como deveria, falhando o Poder Público em disponibilizar à população recursos que atendam à sua demanda – desde a negativa do fornecimento de um medicamento à negativa de uma cirurgia ou tratamento de uma doença. Diante desse cenário, surge o Poder Judiciário como ente público, se apresentado de forma cada vez mais ativa nos últimos anos, como instrumento de efetivação da garantia ao acesso à saúde e à vida.

Além do setor público de saúde, verifica-se o significativo aumento das ações judiciais ajuizadas contra as operadoras de planos de saúde, para garantia de cumprimento de obrigações contratuais e legais, tais como fornecimento de medicamentos e tratamentos que não são acobertados pelas instituições privadas.

A soma dessas demandas levou à discussão da chamada judicialização da saúde no Brasil.

De acordo com o Relatório Analítico sobre a judicialização da saúde no Brasil, elaborado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1], “o número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017, enquanto o número total de processos judiciais cresceu 50%, conforme relatórios do CNJ “Justiça em Números” de 2008 a 2017. Segundo o Ministério da Saúde[2], em sete anos houve um crescimento de aproximadamente 13 vezes nos seus gastos com demandas judiciais, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016”.

Ainda na pesquisa realizada pelo Insper, o Estado de São Paulo, onde se concentra elevado número de litígios judiciais, apresentou uma média inferior à dos demais Estados brasileiros quando se trata de assuntos ligados à saúde, sendo, em sua maioria, relacionados aos procedimentos ou medicamentos não previstos no SUS ou no rol da ANS. Os cinco primeiros Estados com maior índice são das regiões Centro-Oeste e Nordeste: Mato Grosso do Sul, Ceará, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Pernambuco. Esse dado pode ser reflexo da escassez de recursos dessas regiões ou do efeito da ampliação do acesso à justiça.

Um exemplo da judicialização da saúde é o aumento do número de Recursos Especiais com pedido de fornecimento de medicamentos não fornecidos pelo SUS: o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.657,156, sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a tese sobre a concessão de medicamentos não incorporados na lista do SUS, observando os seguintes requisitos: “(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento”.

O STJ ainda estabeleceu que, após o trânsito em julgado de cada decisão, o Ministério da Saúde e a Comissão Nacional de Tecnologias do SUS deverão ser comunicados para realizaram estudos sobre a viabilidade de inclusão do medicamento na lista do SUS.

Muitas vezes, os pleitos levados ao Poder Judiciário são fundamentados com o direito de acesso à saúde e à vida digna, ambos garantidos pela Constituição Federal. Com esse apelo, e para garantia dos direitos fundamentais, os juízes, cada vez mais acabam decidindo de forma discricionária, embora guiados pela finalidade de suprir a omissão do serviço de saúde no Brasil.

Para minimizar essas decisões precipitadas e discricionárias, o Conselho Nacional de Justiça instituiu, em 2010, o Fórum Nacional do Judiciário para Saúde[3], com a finalidade de monitorar, formular propostas e resoluções das demandas que versam sobre a saúde, nos setores público e privado.

Uma das iniciativas do Fórum da Saúde é promover Jornadas de Direito da Saúde para discutir e elaborar enunciados para orientar os magistrados em decisões com esse tema. O CNJ também recomendou a criação do Núcleo de Apoio Técnico (NAT) para cada Estado, composto por profissionais com conhecimentos técnicos que analisem os casos e elaborem pareceres para fundamentar as decisões judiciais.

O Relatório Analítico divulgado pelo CNJ cita alguns Estados que implementaram projetos e políticas de busca de solução para esses tipos de conflitos:

  • Na Bahia, a Secretaria Estadual (SESAB) criou o Núcleo de Atendimentos à Judicialização da Saúde (NAJS) em 2015 para dar suporte, subsídios e informações sobre as demandas judiciais à Procuradoria Geral do Estado da Bahia. A Câmara de Conciliação de Saúde (CCS) é fruto do convênio entre o Tribunal de Justiça, o Governo do Estado, a Prefeitura de Salvador, a Procuradoria-Geral do Estado, o Ministério Público do Estado e as Defensorias Públicas do Estado e da União, visando diminuir a judicialização da saúde.
  • No Estado de São Paulo, o Grupo de Coordenação das Demandas Estratégicas do SUS-SP (G-CODES), criado em 2006, coordena dentro da Secretaria da Saúde (SES-SP) o atendimento de todos os pedidos judiciais por medicamentos e insumos. No sistema informatizado (S-CODES), o acesso é compartilhado com a PGE que também utiliza o sistema para instruir as contestações e recursos, enquanto a equipe providencia pareceres técnicos para cada caso e organiza um processo de compra eficiente e centralizado.

Vale mencionar ainda o Núcleo de Judicialização do Ministério da Saúde, instituído em 2017 pelo Ministério da Saúde. Em notícia publicada pelo Ministério da Saúde[4], o Núcleo “visa organizar e promover o atendimento de todas as demandas direcionadas à União”; “a ação é determinante para evitar gastos desnecessários, falhas de gestão, prescrições equivocadas e eventuais indícios de fraudes.”

Com o aumento significativo dos processos judiciais na última década, é de extrema importância que os entes públicos continuem a promover políticas públicas, programas, debates e encontros, visando à solução dos litígios de forma mais eficaz e adequada.

 

 

[1] http://cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/03/95da70941b7cd226f9835d56017d08f4.pdf

[2] http://www.saude.mg.gov.br/judicialização Acesso em: 10 de novembro de 2018.

[3] http://cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude

[4] http://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/29890-nucleo-de-judicializacao-aprimora-seguranca-do-paciente-em-acoes-judiciais

 

Gabriel Gallo Brocchi

gabriel.brocchi@fius.com.br

 

Cannie Mayumi Uehara

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