A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO AO LEGISLADO NA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (TEMA 1.046)

Em 02 de junho de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o tema de repercussão geral 1.046, sobre a prevalência da negociação coletiva à legislação e, assim, fixou a seguinte tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

O julgamento foi amplamente divulgado em diversos meios de comunicação. Contudo, a íntegra da decisão ainda não foi divulgada, cabendo, ainda, recurso da decisão.

Considerando que a prevalência das convenções e acordos coletivos de trabalho sobre a legislação foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, resta analisar, então, como tem sido a sua aplicação no julgamento das reclamações trabalhistas.

Importante analisar, primeiramente, o processo que originou o Recurso Extraordinário que chegou ao Supremo Tribunal Federal.

Trata-se de Reclamação Trabalhista relativa a contrato de trabalho mantido no período de 18/12/2008 a 01/06/2014, na qual, dentre outros pedidos, o Reclamante pleiteava horas in itinere (tempo gasto no deslocamento entre a residência e o local de trabalho), previstas no artigo 58, §2º, da CLT (com redação vigente à época), as quais foram suprimidas por Acordo Coletivo de Trabalho. Trata-se, portanto, de contrato de trabalho encerrado antes da vigência da Lei 13.467/2017, popularmente conhecida como Reforma Trabalhista.

Em primeira instância o pedido foi julgado improcedente. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18ª Região acolheu o recurso apresentado pelo Reclamante (empregado) para deferir as horas in itinere pretendidas. A Reclamada (empregadora) recorreu desta decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, após, interpôs novos recursos ao Supremo Tribunal Federal, até que foi proferido o julgamento.

No sítio do Supremo Tribunal Federal constou o resumo da decisão da seguinte forma:

“O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.046 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Em seguida, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”. Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Fux (Presidente), impedido neste julgamento, e o Ministro Ricardo Lewandowski. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber, Vice-Presidente. Plenário, 2.6.2022.”

Conclui-se, dessa forma, ter sido dado provimento ao Recurso Extraordinário apresentado pela empresa para declarar válido o acordo coletivo de trabalho que previu a supressão das horas in itinere e, assim, afastar da condenação o pagamento de horas extras do período de deslocamento entre a residência do empregado e o local de trabalho.

Neste ponto, a decisão chancelou o já disposto no artigo art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal (CF), o qual reconhece a validade das convenções coletivas, em conjunto com o artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que garante aos sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais o poder para estipular condições de trabalho.

E não poderia ser diferente, haja vista que os Sindicatos dos Empregados e dos Empregadores possuem legitimidade para transacionar, nos termos do art. 7º, incisos VI, XIV e XXVI, da Constituição.

Portanto, parece-nos claro que a tese fixada pelo Supremo Federal declarou constitucionais os acordos e as convenções coletivas de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, sem qualquer marco temporal, sobretudo porque a Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista) trouxe notórias alterações a respeito da prevalência do negociado sobre o legislado, o cerne do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal.

Desse modo, considerando os avanços trazidos pela Reforma Trabalhista, validando a possibilidade de negociação coletiva, não seria necessário o pronunciamento da Suprema Corte sobre o período posterior à sua vigência, 11/11/2017, por ser tema consolidado. A discussão que, novamente, parece-nos óbvia, recairia apenas ao período anterior.

Contudo, o entendimento não é unânime no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho. Isso porque têm sido proferidas decisões com o entendimento de que a tese fixada somente seria aplicável às normas coletivas firmadas após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, o que não nos parece adequado, eis que a norma coletiva apreciada no julgamento do Supremo Tribunal Federal é de período anterior à Reforma Trabalhista.

Além do mais, seria desnecessário o Supremo Tribunal Federal validar a limitação de direitos trabalhistas por norma coletiva já na vigência da reforma trabalhista eis que vários dispositivos legais preveem tal hipótese, a exemplo do que consta no artigo 611-A da CLT, conforme exposto anteriormente.

Desse modo, o que se conclui é que, apesar de o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal ser sobre tema de grande relevância, com impactos positivos para as empresas, é comum nos depararmos com decisões conflitantes, situação que deverá acontecer até a divulgação da íntegra do julgamento.

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