A teoria do desvio produtivo do consumidor tem ocupado um espaço relevante no cenário jurisprudencial, consolidando-se como fundamento para a responsabilização de fornecedores de produtos e serviços.
Concebida originalmente pelo jurista Marcos Dessaune, a teoria parte da premissa de que o tempo despendido pelo consumidor para solucionar problemas decorrentes de falhas na prestação de serviços ou no fornecimento de produtos representa um dano indenizável, por violar direitos da personalidade e comprometer a qualidade de vida do indivíduo.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a matéria recebeu destaque recente.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a condenação de uma seguradora em junho de 2025, decidindo que o atraso injustificado na regulação do sinistro e na liberação da indenização causou mais do que meros aborrecimentos. A corte considerou que a privação do tempo do consumidor constitui dano moral e exige reparação.
O ministro João Otávio Noronha, relator do caso, repisou o entendimento adotado pelo Tribunal de origem, no sentido de que a conduta da empresa contrariou a boa-fé objetiva, ensejando a aplicação da teoria.
Embora a tese tenha força, é importante lembrar que o STJ também tem demarcado seus limites. Em 2023, no julgamento do REsp 2.017.194/SP, a Terceira Turma reafirmou que a teoria do desvio produtivo é inaplicável fora das relações de consumo.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, a utilização dessa teoria em relações estritamente civis, regidas pelo Código Civil e travadas entre partes em igualdade de condições, implicaria indevida ampliação do conceito, esvaziando a lógica protetiva própria do Direito do Consumidor.
Do ponto de vista empresarial, especialmente para fornecedores de produtos e serviços, a aplicação da teoria impõe cautelas relevantes.
A jurisprudência indica que a demora na resolução de demandas de consumidores, a ausência de comunicação transparente ou a falta de protocolos claros de atendimento constituem fatores determinantes para a caracterização do desvio produtivo.
Por isso, é imprescindível que as empresas adotem procedimentos internos eficientes, capazes de garantir solução ágil e documentada para as reclamações apresentadas. O registro de todas as interações, a capacitação das equipes para prevenir litígios e a avaliação criteriosa da natureza jurídica da relação estabelecida são medidas essenciais para mitigar riscos.
É igualmente recomendável que o setor jurídico, de atendimento e de compliance atuem de forma integrada, a fim de assegurar não apenas a conformidade legal, mas também a preservação da imagem institucional, reforçando práticas alinhadas à boa-fé e ao respeito ao tempo do consumidor. Tal postura não apenas reduz a probabilidade de demandas processuais, mas também se alinha com diretrizes de governança e responsabilidade social, cada vez mais exigidas de grandes fornecedores.
O panorama atual demonstra que a teoria do desvio produtivo, embora circunscrita às relações de consumo, representa um campo de significativa exposição litigiosa. Sua aplicação pelo STJ em decisões recentes, como a de julho de 2025, reforça a necessidade de atenção preventiva e estratégica por parte das empresas, sob pena de um simples atraso ou falha operacional se converter em condenações expressivas por danos morais.