Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, permitir o andamento de uma ação penal por crimes tributários, lavagem de dinheiro e organização criminosa mesmo sem o encerramento do processo administrativo fiscal.
O caso envolve a investigação de um suposto esquema de empresas de fachada na Paraíba, criado para ocultar os verdadeiros devedores de tributos e dificultar a atuação do Fisco. A decisão representa um importante e preocupante afastamento da regra fixada pela Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal (STF), que condiciona a ação penal à conclusão do processo administrativo.
A Súmula Vinculante 24, aprovada pelo STF, estabelece que não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo. Na prática, isso significa que não há crime tributário enquanto o Fisco não finalizar o processo que define se o imposto é devido e qual o seu valor. Esse procedimento é chamado de constituição definitiva do crédito tributário e envolve etapas como autuação, defesa do contribuinte, recursos e julgamento final pela Receita.
Somente depois dessa conclusão, quando o crédito se torna definitivo e pode ser cobrado, é que o Estado pode, em tese, acusar alguém criminalmente por sonegação ou outro crime fiscal. Essa regra protege o contribuinte de acusações prematuras e garante que o Direito Penal só atue quando houver certeza sobre a existência do débito.
No caso analisado, a Sexta Turma do STJ entendeu que essa exigência pode ser flexibilizada em situações excepcionais. Segundo o voto vencedor, quando há indícios de fraude destinados a impedir a fiscalização ou a prática de outros crimes conexos, como lavagem de dinheiro ou organização criminosa, a ação penal pode prosseguir antes do encerramento do processo administrativo.
Para o colegiado, exigir o lançamento definitivo em casos de fraude complexa poderia beneficiar quem agiu contra a lei, favorecendo a impunidade. Com esse entendimento, o Tribunal revogou decisão anterior que havia trancado a ação penal. O processo criminal, portanto, poderá seguir em primeiro grau. O principal argumento foi o de que a própria fraude teria impedido o lançamento do tributo, o que justificaria a atuação antecipada do Ministério Público.
Do ponto de vista penal, o entendimento é controverso. Ao relativizar a Súmula Vinculante 24, que há anos garante segurança jurídica aos contribuintes, o STJ enfraquece uma das principais proteções do Direito Penal Tributário: o princípio da intervenção mínima. Na prática, a decisão permite que o Estado ajuíze ações penais antes mesmo de comprovar a existência do débito tributário, levando discussões técnicas, típicas da esfera fiscal, para o campo criminal. Isso amplia o poder punitivo e cria insegurança para empresas e administradores, especialmente em investigações que envolvem múltiplos crimes associados.
O julgamento abre um precedente sensível. Ao admitir a persecução penal antes da conclusão do processo fiscal, o STJ sinaliza uma tendência de flexibilização de garantias processuais em nome da eficiência penal. Embora o combate à sonegação e à lavagem de dinheiro seja essencial, ele não pode ocorrer às custas da presunção de inocência e do devido processo legal.