Receita Federal equipara fintechs a bancos e amplia exposição criminal do setor

As fintechs, conhecidas por unir finanças e tecnologia, transformaram o mercado brasileiro ao facilitar o acesso a serviços como contas digitais, cartões, investimentos e transferências. Essa inovação, porém, também acabou sendo explorada por organizações criminosas, que utilizaram essas plataformas para movimentar grandes quantias de dinheiro de origem ilícita, aproveitando lacunas regulatórias que não impunham às fintechs os mesmos deveres de controle exigidos aos bancos.

Com a publicação da Instrução Normativa nº 2.278/2025, em 29 de agosto, a Receita Federal decidiu colocar fim a essa diferença de tratamento. A partir de agora, as fintechs passam a ter as mesmas obrigações de transparência e fiscalização que os bancos já possuem, devendo informar movimentações financeiras por meio do sistema e-Financeira. Esse sistema, em uso desde 2015, permite o cruzamento de dados entre a Receita Federal e o Banco Central e encaminha automaticamente informações ao Coaf, órgão responsável por identificar operações suspeitas relacionadas à lavagem de dinheiro. A exigência atinge movimentações mensais acima de cinco mil reais para pessoas físicas e quinze mil reais para pessoas jurídicas, de modo a fechar brechas que vinham sendo exploradas em esquemas criminosos.

A nova norma foi anunciada em meio a operações policiais de grande repercussão, como Carbono Oculto, Quasar e Tank, nas quais autoridades apontaram que fintechs e fundos de investimento foram usados para movimentar bilhões de reais em recursos ilícitos. Esses casos expuseram fragilidades no sistema de fiscalização e reforçaram a necessidade de aproximar o setor das regras de compliance já aplicadas ao sistema financeiro tradicional.

Na prática, para as fintechs, isso significa que será preciso investir mais em governança e monitoramento. Sempre que uma operação destoar do perfil do cliente ou parecer atípica, a empresa deverá não apenas comunicar o Banco Central e o Coaf, mas também solicitar esclarecimentos ao próprio usuário. Para os clientes comuns, a mudança tende a ser imperceptível, já que o foco recai apenas sobre transações de maior valor ou fora do padrão habitual.

Para o mercado em geral, a expectativa é que a equiparação traga mais segurança, reduza o espaço para irregularidades e aumente a confiança de investidores e clientes. Sob a ótica criminal, contudo, os efeitos podem ser significativos. A partir dessa equiparação, tanto as fintechs quanto seus administradores passam a estar sujeitos a maior escrutínio por parte das autoridades, respondendo não apenas por falhas na comunicação de operações suspeitas, mas também por eventuais omissões em mecanismos de rastreabilidade. Clientes que utilizem essas plataformas também ficam mais expostos: movimentações fora do padrão ou de origem pouco transparente poderão atrair questionamentos, bloqueios judiciais e até a abertura de investigações criminais, ainda que não exista prova imediata de envolvimento em atividades ilícitas.

O recado que a norma transmite é claro: o ambiente regulatório e criminal no setor financeiro está cada vez mais rigoroso, e a fronteira entre inovação tecnológica e responsabilidade penal nunca foi tão estreita. Para as fintechs, significa que inovação sem uma gestão de risco penal deixou de ser uma opção. Para clientes e investidores, reforça a importância de compreender que cada transação pode ser monitorada e que a transparência passou a ser condição essencial para operar com segurança.

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