Projeto de reforma do código civil: principais alterações no instituto da usucapião

A proposta de reforma do Código Civil, cujo texto foi entregue ao Senado Federal para votação no final de janeiro de 2025, sugere a alteração de 1.122 dos 2.046 artigos do Código em vigor, o que representa modificação de mais de 54% (cinquenta e quatro por cento) da redação do atual Código.

Sob o fundamento de que a reforma visa acompanhar as mudanças da sociedade brasileira durante as últimas décadas, a proposta prevê alteração em vários Livros do Código Civil e, dentre eles, o que abarca o Direito das Coisas, no qual se encontram inseridos os dispositivos referentes à usucapião.

Apesar de quase todos os artigos referentes ao tema usucapião terem sofrido alterações para acompanhar o entendimento atual, vale destacar duas principais mudanças na proposta: fomento à usucapião extrajudicial, anteriormente regulada por legislação especial, e a nova roupagem dada à usucapião familiar, agora focada na proteção da família e não na punição daquele que abandonou o imóvel.

Nesse âmbito, a usucapião extraordinária, modalidade prevista no artigo 1.238 do Código Civil e que não exige justo título ou boa-fé por parte do possuidor para aquisição da propriedade, teve o acréscimo de novo parágrafo que assim dispõe: “§2º Servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis, tanto a sentença que declarar a aquisição por usucapião, como a nota fundamentada de deferimento extrajudicial de usucapião”.

A referida proposta consagra de forma expressa a possibilidade de reconhecer a usucapião diretamente no Cartório de Registro de Imóveis, sem necessidade de acionar o Poder Judiciário, desde que se cumpram os requisitos legais e não haja oposição de terceiros.

Ao fortalecer a política de desjudicialização já prevista em leis específicas, a medida torna o procedimento mais ágil, menos burocrático e economicamente acessível, assegurando publicidade e controle administrativos adequados. Essa simplificação incentiva a regularização de imóveis, concretiza a função social da propriedade e beneficia possuidores que buscam formalizar sua situação dominial.

Por sua vez, o artigo 1.240-A, que aborda a usucapião familiar, sofreu diversas alterações na proposta de reforma, com a inclusão de quatro novos parágrafos. Nesse sentido, a proposta adota uma visão inovadora e mais protetiva, afastando-se da perspectiva anterior que se mostrava punitiva aquele que abandonou o imóvel.

Entre as significativas sugestões apresentadas, por meio da redação do parágrafo segundo, foi estabelecido de maneira objetiva o marco temporal para início do decurso do prazo de 02 (dois) anos para aquisição da propriedade, antes não previsto expressamente, o qual será contado a partir da data do fim da composse – quando duas pessoas exercem conjuntamente a posse sobre um mesmo bem imóvel, compartilhando seu uso –, existente entre os ex-cônjuges ou ex-conviventes.

Ainda, no parágrafo terceiro foi fixada hipótese de presunção de cessão da composse, a qual ocorrerá a partir do momento em que o ex-cônjuge ou ex-convivente deixa de arcar com as despesas relativas ao imóvel.

Não só, para conferir maior segurança jurídica, a proposta determina claramente que a situação fática da separação já é suficiente para definir as expressões ex-cônjuge ou ex-convivente, dispensando-se formalidades como o divórcio ou a dissolução formal da união estável.

Contudo, o ponto mais relevante está no parágrafo quinto da proposta de alteração, o qual consagra um entendimento objetivo e desvinculado da noção de culpa para o requisito do abandono do lar. Dessa forma, o abandono voluntário da posse, somado à ausência de tutela da família, constitui critério suficiente para a configuração da usucapião familiar.

Em que pese a proposta de reforma ainda esteja pendente de aprovação no Senado Federal e posterior análise pela Câmara dos Deputados, certo é que as alterações sugeridas trazem impactos significativos sobre o instituto da usucapião. Por isso, é fundamental acompanhar o trâmite legislativo e compreender as novas diretrizes, a fim de assegurar a adequada aplicação do direito à luz das transformações sociais contemporâneas.

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