A alocação de riscos contratuais é um dos pilares da segurança jurídica em operações de M&A. Trata-se de um elemento essencial para mitigar as incertezas inerentes a esse tipo de transação, que envolve múltiplas variáveis jurídicas, financeiras e operacionais. Estabelecer mecanismos eficientes de distribuição de responsabilidades é fundamental para garantir previsibilidade e equilíbrio entre as partes.
Com o objetivo de proteger as partes contra informações falsas, incompletas ou enganosas fornecidas durante a negociação, utiliza-se a cláusula de declarações e garantias, essencial para promover transparência e segurança nas operações de M&A. Por meio dela, as partes — especialmente o vendedor — formalizam afirmações sobre a situação jurídica, regulatória, financeira e operacional da empresa-alvo.
Essas declarações cumprem funções cruciais: asseguram ao comprador um retrato fiel da empresa-alvo, atribuem ao vendedor o risco pela veracidade das informações prestadas, fundamentam eventuais ajustes de preço e cláusulas indenizatórias, além de prevenir omissões que possam ensejar vícios de consentimento. As declarações e garantias permitem ao comprador conhecer a real situação da empresa antes do fechamento, estabelecendo a responsabilidade do vendedor pelas informações apresentadas.
Para resguardar as partes em caso de prejuízos decorrentes do descumprimento de declarações, garantias ou obrigações contratuais, utiliza-se a cláusula de indenização. Nela também se define a responsabilidade temporal de cada parte: em linhas gerais, o vendedor responde por eventos e perdas relacionados a atos, fatos ou omissões ocorridos até o fechamento da operação, enquanto o comprador assume os riscos dos eventos posteriores.
Essa lógica, conhecida como “my watch, your watch” (meu período, minha responsabilidade; seu período, sua responsabilidade), assegura que o comprador não arque com prejuízos relacionados à gestão exclusiva do vendedor. Além dessa alocação temporal, a cláusula estabelece regras e procedimentos para casos de perdas, omissões ou inexatidões nas declarações e garantias, bem como para hipóteses de descumprimento contratual.
Diante da relevância do tema da indenização, é comum que o contrato preveja os limites de responsabilidade de cada parte, bem como valores mínimos (basket) e máximos (cap) para indenizações. O basket determina que o pagamento de indenizações só será realizado quando o montante das perdas atingir determinado patamar. Já o cap limita o total das indenizações e pode ser atrelado ao valor da operação.
É importante destacar que o mecanismo de indenização não protege apenas o comprador, mas também o vendedor, que pode vir a ser impactado por problemas nas declarações e garantias do comprador. Por exemplo, uma declaração incorreta sobre o cumprimento de critérios para dispensa de análise pelo CADE pode gerar prejuízos à empresa-alvo e, ainda, penalidades ao vendedor.
Para além dos mecanismos de indenização, costumam ser estabelecidas garantias, tanto a favor do comprador quanto do vendedor, para garantir recursos para cobrir eventuais indenizações ou em um cenário de pagamento parcelado. A garantia em benefício do comprador está comumente atrelada aos riscos mapeados na due diligence e ao cumprimento de obrigações pós fechamento. Para o vendedor, essa garantia visa assegurar o recebimento integral do preço de aquisição. Dentre as diversas modalidades de garantias que podem ser estabelecidas, destacam-se o holdback e a conta escrow.
O holdback consiste na retenção de parte do preço pelo comprador, destinada a cobrir eventuais perdas ou indenizações devidas pelo vendedor. Os valores são liberados gradualmente ao vendedor, conforme o tempo e a prescrição dos riscos mapeados. Embora seja uma alternativa menos onerosa, o holdback pode ser desconfortável para o vendedor, que depende da manutenção da saúde financeira do comprador para receber os valores retidos.
A conta Escrow, por sua vez, oferece maior segurança ao vendedor, por tratar-se de conta bancária aberta junto a uma instituição financeira, que só pode ser movimentada mediante autorização das partes, conforme regras estabelecidas no contrato. Apesar de proporcionar mais proteção, esse formato envolve custos de manutenção e maior burocracia para movimentação dos valores.
Outras formas de garantia também podem ser utilizadas em operações de M&A, como garantias reais ou pessoais, alienação fiduciária de quotas/ações e opções de compra de quotas/ações.
Este artigo não tem a pretensão de esgotar o tema da alocação de riscos nos contratos de M&A. Seu objetivo é demonstrar a relevância da construção de contratos com mecanismos robustos, garantindo maior segurança às partes, além de exemplificar formas de mitigação de riscos para aqueles que pretendem se aventurar no universo do M&A.