Doação do imóvel do devedor aos filhos configura fraude contra credores?

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a dois recursos especiais em que se argumentava que a doação pelo devedor aos seus filhos do imóvel em que residem não constitui fraude contra credores, por se tratar bem de família e, portanto, impenhorável, conforme preceitua o artigo 1º da Lei nº 8009/90.

No caso analisado pelo Tribunal, o credor descobriu que o avalista e sua esposa doaram bens aos filhos após contraírem a dívida, razão pela qual alegou a ocorrência de fraude, nos termos do artigo 158 do Código Civil, que prevê o caráter fraudulento da transmissão gratuita de bens pelo devedor que já for insolvente ou que, em virtude do ato, se reduzir à insolvência.

Tanto o juiz de primeira instância, quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo, reconheceram a fraude e a ineficácia das doações realizadas. Diante disso, foram interpostos os recursos especiais, visando levar a matéria à análise do Tribunal Superior.

De acordo com o STJ, caso o bem, antes de transmitido, já se enquadre como impenhorável, não há que se falar em fraude contra credores, justamente em razão da ausência de prejuízo ao credor.

A ministra relatora, Nancy Andrighi, destacou que a doação de bem de família não agrava a situação financeira do devedor. Apesar da divergência jurisprudencial sobre o tema, a ministra defendeu a preservação da impenhorabilidade do bem, devido à manutenção da sua destinação como residência da família – preceito do artigo 1.712 do Código Civil –, tendo em vista a impossibilidade de os filhos alienarem o imóvel, por residirem no local, e a ausência de proveito econômico com a transferência.

Mesmo se não fosse aplicável o argumento da inalterabilidade da destinação do bem, a ministra reforçou que, ainda assim, entenderia pela manutenção da impenhorabilidade, pois a esposa do avalista não era a devedora e sim apenas autorizou a garantia pessoal prestada por seu cônjuge, de modo que a doação da parcela que lhe cabia no imóvel não poderia mesmo ser tida como fraudulenta.

Dessa maneira, ao identificar a impenhorabilidade da parte do imóvel cabente à esposa do avalista, o STJ concluiu que tal impenhorabilidade deveria ser estendida a toda a propriedade.

Assim, foi mantida a eficácia da doação do imóvel pelo devedor aos seus filhos, alterando-se o entendimento que havia sido adotado pelas instâncias inferiores.

Apesar do novo olhar dado ao caso pelo STJ, é importante notar que uma série de particularidades foram levadas em consideração para afastar o reconhecimento da fraude. Não é, portanto, toda doação pelo devedor aos seus familiares que pode vir a ser admitida, de modo que, na prática, a pretensão de transmissão de bens deve ser analisada com cautela.

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