Criptomoedas e penhora de bens: os novos desafios na recuperação de créditos

O avanço das tecnologias financeiras tem provocado impactos diretos no cenário jurídico, especialmente em se tratando de recuperação de créditos por meio da penhora de bens. Dentre as inovações recentes, as criptomoedas e a tecnologia blockchain vêm se destacando como alternativas modernas de investimento e transação, mas também como desafios à efetividade das medidas de constrição patrimonial.

As criptomoedas, em síntese, são ativos digitais baseados na tecnologia blockchain, um sistema de pagamento digital que dispensa a participação de instituições financeiras e dificulta o rastreamento das transações, já que utiliza a criptografia para sua validação.

Já o blockchain é a base tecnológica das criptomoedas, funcionando como um livro digital descentralizado que garante segurança e transparência às operações.

No entanto, essa descentralização dificulta o rastreamento dos ativos e a atuação do Poder Judiciário na penhora desses valores. Diferentemente dos ativos tradicionais, os criptoativos não precisam ficar armazenados em corretoras, o que torna ineficaz a simples expedição de ofícios a essas entidades.

No contexto das ações judiciais para recuperação de créditos, surge a expectativa de que as criptomoedas possam ser objetos de penhora, à semelhança do dinheiro em conta bancária ou de outros investimentos.

Porém, a ausência de uma regulamentação clara e robusta no ordenamento jurídico brasileiro a respeito da especificidade do ativo torna essa possibilidade, na prática, limitada e imprevisível. Ainda que o credor suspeite da existência de criptoativos em nome do devedor, os instrumentos processuais disponíveis atualmente não garantem acesso ou constrição eficientes sobre tais valores.

Em recente entendimento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a penhorabilidade dos criptoativos, mesmo enfrentando lacunas nas regulamentações, assemelhando tal medida a uma penhora de contas bancárias. A Corte entendeu que “em observância aos princípios que norteiam o processo de execução e o interesse das partes credora e devedora, é plenamente possível a expedição de ofício às corretoras de criptomoedas” (REsp n. 2.127.038/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 17/2/2025, REPDJEN de 10/3/2025, DJEN de 20/02/2025).

Assim, não obstante as dificuldades práticas, a jurisprudência tem buscado suprir as lacunas normativas, admitindo, cada vez mais, a penhorabilidade de criptoativos como meio legítimo e eficaz de satisfação do crédito.

Nesse contexto, o julgado do STJ abre margem para que, mesmo diante da ausência de regulamentação específica, os ativos digitais sejam tratados como bens penhoráveis, tal como ocorre com outros investimentos financeiros, como na penhora de recebíveis por meio de empresas de cartão de crédito, por exemplo.

Diante do exposto, é evidente que o cenário jurídico brasileiro ainda enfrenta significativos desafios no que se refere à efetiva constrição de criptoativos em processos de execução. A natureza descentralizada das criptomoedas, aliada à ausência de regulamentação específica, impõe obstáculos à atuação do Poder Judiciário na localização e penhora desses bens.

Todavia, a evolução jurisprudencial, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sinaliza uma tendência de adaptação do ordenamento às novas realidades tecnológicas, reconhecendo os criptoativos como bens suscetíveis de constrição patrimonial.

Nesse sentido, ainda que persistam incertezas normativas, o reconhecimento judicial da penhorabilidade das criptomoedas representa um avanço relevante na busca pela efetividade da execução, reforçando o princípio da máxima utilidade do processo e a primazia do interesse do credor na satisfação do crédito.

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