Alienação fiduciária em foco: perspectivas a partir do Tema 1348 do STJ

O instituto da alienação fiduciária, regulado pela Lei nº 9.514/1997, constitui um instrumento contratual de natureza dúplice: ao mesmo tempo que viabiliza uma compra e venda por meio de um empréstimo, também confere ao credor uma garantia para a operação. Nesse modelo, o devedor fiduciário, que é o próprio comprador, transfere ao credor a propriedade resolúvel do bem, permanecendo com a posse direta e com a responsabilidade de depositário até a quitação integral da dívida.

Um exemplo típico ocorre nos casos de financiamento imobiliário, em que a instituição financeira ou a construtora figura como proprietária do imóvel até a finalização do pagamento pelo comprador.

Em situação de inadimplência, é possível que o credor siga com a execução da garantia fiduciária, com envio de notificação extrajudicial formal ao devedor via cartório para “purgar a mora”, ou seja, para depositar as parcelas em atraso. Caso permaneça inadimplente, o imóvel segue para leilões extrajudiciais, e o credor pode consolidar a propriedade em seu favor para quitação da dívida existente.

Diante da complexidade desses procedimentos, suas nuances e particularidades, havia dúvida quanto à legislação aplicável nessas relações contratuais. Em atenção a isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento consolidado no Tema 1095, no sentido de que a Lei nº 9.514/1997 deve prevalecer como norma aplicável às rescisões contratuais solicitadas por compradores inadimplentes, afastando a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nesses casos.

Todavia, o debate ganhou novos contornos com a afetação do Tema 1348, também sob o rito dos recursos repetitivos, a partir dos Recursos Especiais nº 2.154.187/SP e nº 2.155.886/SP. A questão submetida ao STJ busca definir qual legislação deve reger as hipóteses em que o comprador inadimplente desiste do contrato com cláusula de alienação fiduciária, sem que tenha havido sua constituição em mora, ou seja, sem que tenha sido notificado de forma extrajudicial para “purgar a mora”.

Trata-se de tema de alta relevância, pois a escolha da norma aplicável refletirá diretamente em pontos sensíveis da relação contratual, tais como a própria necessidade de constituição em mora – inerente ao procedimento – e eventual prazo para esse ato, que é requisito essencial para a execução da garantia em favor do credor. Além disso, haverá a definição sobre a possibilidade de rescisão unilateral e retenção ou devolução de valores pagos, à luz da legislação incidente.

A decisão a ser proferida pelo STJ terá impacto significativo não apenas para credores e devedores em contratos específicos, mas para todo o setor imobiliário e financeiro, na medida em que estabelecerá parâmetros uniformes para situações de desistência imotivada do comprador.

Portanto, o acompanhamento do julgamento do Tema 1348 revela-se essencial, pois a tese a ser fixada, com efeito vinculante, delineará de forma definitiva os contornos dos direitos e das obrigações decorrentes dos contratos de compra e venda de imóveis garantidos por alienação fiduciária, influenciando diretamente a segurança das operações e a previsibilidade das relações contratuais.

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