No início deste ano, foi entregue ao Senado Federal o Anteprojeto de Atualização e Reforma do Código Civil Brasileiro, resultado de oito meses de trabalho de uma comissão de juristas presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão. A proposta deu origem ao Projeto de Lei nº 4/2025, que agora aguarda análise e deliberação pelo Congresso Nacional para dar continuidade ao processo legislativo de aprovação.
Dentre as mudanças propostas pela reforma, chama atenção a flexibilização de uma antiga regra do direito sucessório brasileiro, conhecida como a proibição do chamado “pacto corvina” — expressão que simboliza a impossibilidade de firmar acordos sobre herança de pessoa viva.
A origem do termo remonta à figura do corvo ou “corvina”, em referência ao pássaro, tradicionalmente associado à espera pela morte de alguém. No direito, essa expressão passou a ser utilizada para designar os contratos em que uma pessoa negocia bens que só lhe seriam transmitidos após o falecimento de outra, o que sempre foi visto com certo desconforto ético e jurídico, por alimentar interesses antecipados sobre a morte.
Na prática, o que se busca com essa alteração é permitir que as famílias possam tratar do tema tão delicado quanto inevitável com mais segurança e tranquilidade, possibilitando a construção de um planejamento sucessório a partir de instrumentos e acordos familiares celebrados ainda em vida pelo detentor dos bens. Afinal, não são raras as situações em que pais, já em vida, manifestam o desejo de organizar a futura divisão de seus bens, justamente com o intuito de evitar desentendimentos ou disputas entre os herdeiros.
Ocorre que, diante da atual estrutura legislativa, essa organização patrimonial, muitas vezes, permanece restrita ao campo da informalidade, sem respaldo jurídico, exatamente em razão da vedação imposta pela lei. Com a proposta de mudança, abre-se a possibilidade de formalizar esses acordos, conferindo-lhes validade e eficácia, de modo a assegurar que os critérios e os compromissos pactuados reflitam não apenas nos aspectos patrimoniais, mas também nas particularidades de cada núcleo familiar.
Além disso, a proposta de mudança também se mostra especialmente relevante quando se pensa na sucessão de bens que envolvem empresas ou participações societárias. É comum que, em muitos núcleos familiares, um dos herdeiros esteja mais diretamente envolvido na gestão dos negócios, dedicando-se ativamente à manutenção e ao desenvolvimento da atividade empresarial da família. Nessas situações, a possibilidade de estruturar, ainda em vida, um acordo sucessório que destine a esse herdeiro as participações societárias faz não apenas sentido econômico, mas também preserva a continuidade e a estabilidade da empresa.
É importante destacar que, respeitados os limites legais, em especial a legítima — parcela do patrimônio que obrigatoriamente deve ser destinada aos herdeiros necessários —, é plenamente possível organizar a divisão dos bens de maneira equitativa. Bens imóveis, ativos financeiros ou outros patrimônios disponíveis podem ser destinados aos demais herdeiros, de modo a equilibrar os valores e garantir que cada um receba o que lhe é devido, conforme as vontades e interesses do titular do direito.
A proposta de alteração legislativa, portanto, não configura uma ruptura com os princípios tradicionais do direito sucessório, mas sim um avanço necessário e coerente com as dinâmicas contemporâneas, reconhecendo a autonomia privada dos titulares do direito na organização de seus bens em vida, sempre observados os limites legais e a proteção dos herdeiros necessários. Em última análise, trata-se de um importante instrumento de pacificação social, segurança jurídica e perpetuação do legado familiar e empresarial.