A VEDAÇÃO À ATUAÇÃO CONTRADITÓRIA DAS PARTES NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

A vedação à atuação contraditória das partes nas relações contratuais, formalmente conhecida no mundo jurídico como princípio do “venire contra factum proprium”, tem como fundamento a boa-fé objetiva exigida das partes, que se encontra especificamente positivada no âmbito do artigo 422 do Código Civil brasileiro.

Enquanto a boa-fé objetiva traduz-se na obrigação geral das partes de atender a um padrão ético de comportamento esperado na sociedade em que essas se inserem, com fundamento na honestidade, lealdade e cooperação, a vedação à atuação contraditória das partes é utilizada pelos intérpretes do direito como um subprincípio da boa-fé objetiva, o qual veda que uma das partes contratantes agregue, em uma mesma relação jurídica, duas atitudes isoladamente lícitas e diferidas no tempo, porém contraditórias entre si.

Ou seja, uma das partes contratantes por certo período de tempo comporta-se de determinada maneira, gerando expectativas na outra parte de que seu comportamento permanecerá inalterado. Entretanto, após um determinado lapso temporal, o comportamento inicial da parte é modificado por outro comportamento contrário, quebrando, dessa forma, a boa-fé e a confiança depositadas na relação contratual.

A título de exemplo, tome-se o caso do Recurso Especial nº 1.192.678 – PR, por meio do qual tal Corte Superior decidiu que, ainda que a assinatura de próprio punho do emitente de Nota Promissória fosse um requisito de existência e validade de tal título, a partir do momento em que o próprio emitente da nota promissória admite ter utilizado a assinatura irregular escaneada, não pode esse próprio alegar, em seu benefício, a falta de existência e validade do referido título em razão de não atendimento a tal formalidade, pois tal comportamento contraditório vai de encontro ao princípio da vedação à atuação contraditória das partes.

Dessa forma, não raras vezes as partes contratantes negociam as obrigações contratuais aplicáveis a cada uma delas, mas deixam-se de valer do direito de exigir o cumprimento de tal obrigação contratual ao longo de tal contratação, de tal modo que, caso tal parte, futuramente, decida resolver o contrato pelo inadimplemento da referida obrigação, tal decisão de resolver o contrato, sem qualquer aviso a outra parte quanto à mudança do comportamento, muito provavelmente, poderá ser interpretada como contraditória e não alinhada à boa-fé objetiva esperada das partes nas relações contratuais.

Todavia, não há de se negar que, eventualmente, fatores externos à relação contratual poderão exigir uma mudança de comportamento das partes em suas relações jurídicas existentes, tais como alteração da governança corporativa da empresa, alteração dos membros da diretoria, ocorrência de operação societária, dentre outras. Porém, o intérprete do direito, ao avaliar os fatos de cada caso concreto, analisará a postura adotada pela parte junto a outra parte contratada quanto à forma de comunicação da alteração do “status quo”, de modo a identificar se a boa-fé objetiva estava presente na postura de uma parte junto a outra.

Portanto, é fundamental que as partes contratantes amparem suas condutas (ações e/ou omissões), durante toda a relação contratual, incluindo as negociações preliminares aos princípios da boa-fé objetiva e, especificamente, ao cuidado de não praticar condutas contraditórias entre si.

Tags: No tags