35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: conquistas históricas e desafios atuais

No dia 13 de julho de 1990, o Brasil deu um importante passo em direção à proteção integral da infância e da adolescência ao sancionar a Lei nº 8.069, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação, fruto de intensos debates democráticos no período pós-Constituição de 1988, consolidou o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, direcionando a formulação e a execução de políticas públicas voltadas ao amparo deste grupo socialmente vulnerabilizado.

Em 2025, a legislação completa 35 anos de vigência. Nesse período, o Estatuto da Criança e do Adolescente consolidou-se como uma verdadeira carta de direitos, reafirmando sua importância histórica e, ao mesmo tempo, desafiando o poder público e a sociedade a efetivar plenamente os compromissos ali firmados.

Mesmo tendo se passado tanto tempo desde sua promulgação, os números mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024) revelam que a violência e a negligência contra a infância continuam como um desafio estrutural. Os dados demonstram que, nos últimos anos, houve um agravamento generalizado das violações contra a infância, contrariando a expectativa de progressiva consolidação dos direitos previstos no Estatuto.

Para ilustrar essa afirmação, um recorte nacional revela que os casos de abandono de crianças cresceram 20%, com destaque para o aumento de 49% nos registros de abandono material, um indicativo direto das dificuldades enfrentadas por famílias em situação de extrema vulnerabilidade. Esses indicadores refletem, em grande medida, a fragilidade econômica vivenciada por parcela expressiva das crianças e adolescentes no país.

E a violação de direitos não se limita à dimensão financeira. A exposição dos menores a contextos de violência doméstica também amplia significativamente os riscos, refletindo um crescimento de 31% nos casos de maus-tratos, que englobam desde agressões físicas, psicológicas e até situações de negligência grave. Importante dizer que a curva ascendente desses dados se repete em diferentes faixas etárias, evidenciando que o ambiente violento não é pontual ou episódico, mas estrutural e contínuo.

Em outras palavras, as crianças são submetidas à negligência e à violência desde os primeiros anos de vida e tendem a permanecer desprotegidas ao longo de toda sua trajetória escolar e familiar, o que intensifica os impactos negativos.

Inclusive, esse cenário se agrava quando observamos o Estado de São Paulo, cujas taxas, apesar da existência de uma rede de proteção mais estruturada, superam a média nacional nos registros de abandono de incapaz e maus-tratos.

A leitura desses números, portanto, evidencia falhas na implementação das diretrizes do Estatuto, que, para além dos desafios históricos já consolidados, como a pobreza, a negligência e a violência doméstica, vem se deparando com novos fenômenos que acabam por se somar à agenda de proteção da infância, trazendo camadas adicionais de complexidade à efetivação do ECA.

Isso porque, em um cenário de rápidas transformações sociais e tecnológicas, a infância brasileira também é atravessada por dinâmicas inéditas, especialmente aquelas mediadas em um ambiente digital. A conectividade, embora traga inegáveis benefícios de informação e sociabilidade, acende um alerta, pois, nunca houve tão pouco controle sobre a atividade de crianças e adolescentes no ambiente virtual.

Logo, criado para garantir a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral dos menores, o Estatuto estende-se hoje também à defesa dos interesses e direitos destes grupos na esfera online.

O novo desafio, então, é atualizar a interpretação do ECA sem descaracterizá-lo, garantindo que, na sua essência, a proteção integral das crianças e adolescentes também seja extensiva ao ambiente virtual.

Diante desse panorama, os 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente não devem ser vistos apenas como uma celebração, mas como um chamado à ação coletiva e permanente.

Embora permaneça como o principal marco normativo na proteção da infância e adolescência no Brasil, a efetividade da legislação — hoje, mais do que nunca — exige a tradução concreta de seus princípios em políticas públicas eficazes, ações integradas e práticas cotidianas comprometidas com a realidade dos territórios. Somente assim será possível enfrentar, com a urgência necessária, os desafios antigos e emergentes que continuam a ameaçar os direitos de crianças e adolescentes no país.

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