29 anos da Lei de Arbitragem: maturidade jurídica e confiança institucional

A Lei nº 9.307/1996, que instituiu a arbitragem no Brasil, atuou como uma divisora de águas na maneira como os litígios são resolvidos no país, especialmente no ambiente empresarial.

Desde então, a arbitragem deixou de ser apenas uma alternativa ao Judiciário em âmbito internacional e passou a ocupar posição de protagonismo na construção de soluções eficazes, técnicas e seguras no cenário jurídico brasileiro. O percurso de 29 anos é também a história da consolidação de uma cultura jurídica voltada à eficiência e à autonomia da vontade das partes.

A jurisprudência brasileira, em especial a do Superior Tribunal de Justiça, tem desempenhado papel crucial nesse amadurecimento, o que pode ser analisado na forma como o assunto vem sendo tratado pelos órgãos julgadores ao longo dessa história.

Exemplo disso é a consolidação de um dos conceitos mais basilares do instituto: em regra, compete ao próprio juízo arbitral decidir sobre a existência, validade e eficácia da cláusula compromissória, o famoso princípio “kompetenz-kompetenz”.

É evidente que o Judiciário ainda pode intervir em situações excepcionais, como na ausência de requisitos formais nos contratos de adesão, conforme previsto no art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem, mas esse equilíbrio entre deferência e controle demonstra a sofisticação da abordagem nacional sobre o tema.

O seu desenvolvimento ultrapassa questões de competência como requisito de validade do instituto e também alcançou, ao longo do tempo, discussões práticas envolvendo direito material. Um exemplo relevante a ser notado traduz-se na relação de estatutos sociais e cláusulas arbitrais. Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça afastou a alegação de que uma cláusula compromissória inserida em estatuto de associação civil representaria um contrato de adesão, reconhecendo, portanto, a legitimidade do processo deliberativo interno da entidade[1].

Ainda neste tema, o Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado a necessidade de respeito aos contornos contratuais definidos pelas partes, que constituem  o alicerce para uma arbitragem em todo o mundo. Em litígios que extrapolem esses limites — como demandas societárias que não envolvem matérias interna corporis —, a competência da arbitragem pode ser afastada[2]. A análise cuidadosa da natureza da demanda e da amplitude da cláusula é exemplo da aplicação criteriosa do instituto e revela sua maturidade no cenário jurídico nacional.

Já no cenário internacional, as decisões recentes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça refletem uma postura pró-arbitragem na homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. A jurisprudência tem se consolidado no sentido de que a exigência de trânsito em julgado da sentença estrangeira foi substituída pela verificação de sua eficácia no país de origem, conceito também aplicado em sentenças arbitrais. A Corte também tem reafirmado a validade da eleição de leis estrangeiras pelas partes e a aceitação de documentos por meio de apostilamento, em conformidade com tratados internacionais.

A conjugação entre legislação moderna, precedentes qualificados e práticas institucionais sólidas torna a arbitragem brasileira um modelo respeitado e funcional. As câmaras arbitrais se adaptaram à nova realidade econômica com procedimentos céleres, como a arbitragem expedita, e à revolução tecnológica, com o debate ético e jurídico sobre o uso da inteligência artificial no processo decisório.

Com quase três décadas de vigência, a Lei de Arbitragem não apenas sobreviveu às incertezas de sua origem, como se consolidou como ferramenta indispensável à segurança jurídica, à autonomia contratual e à modernização da justiça brasileira.

 

 


[1] REsp n. 2.166.582/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025

[2] AgInt no REsp n. 1.817.602/AL, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 26/11/2024, DJEN de 27/6/2025.

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