A Medida Provisória nº 1.300, de 21 de maio de 2025, publicada pelo Governo Federal, propõe alterações nas regras do setor elétrico, com impactos diretos para os consumidores livres de alta tensão — especialmente aqueles que contratam energia incentivada, operam sob o modelo de autoprodução ou observam oportunidades na abertura do mercado.
Desde antes da sua publicação, a MP tem gerado intensa repercussão no setor e vem sendo alvo de discussões no mercado. O termômetro dessa repercussão é sentido no Congresso Nacional, em que 600 emendas parlamentares foram apresentadas ao texto da Medida Provisória, evidenciando o alto grau de controvérsia e a importância de um acompanhamento jurídico e regulatório contínuo.
As críticas ao texto atingem várias frentes da MP, como o fim do desconto no fio, a alteração do racional de rateio dos custos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para desconsiderar o perfil do consumidor, alteração e limitações ao modelo de autoprodução energética – impactando setores em crescimento como data centers –, bem como a ausência de disposições acerca do curtailment, que tem trazido grandes impactos ao setor.
O texto ainda passará por debates e alterações no Congresso Nacional, o que pode afetar significativamente sua redação final e o calendário de implementação das medidas.
Fim gradual dos descontos na TUSD/TUST para energia incentivada
Para os contratos de compra e venda de energia incentivada, a MP estabelece regras rígidas de transição. Os descontos nas tarifas de uso (TUSD/TUST) serão mantidos exclusivamente até a data de término dos contratos registrados e validados na CCEE, desde que os montantes estejam definidos e registrados até 31/12/2025. Inclusive, uma vez validado o volume contratado, não será possível alterá-lo após essa data, fato que exige atenção imediata na estruturação dos contratos em curso.
Como resposta à corrida pela formalização de contratos antes da publicação da MP, em uma tentativa de manter os benefícios tarifários, a MP vedou expressamente a aplicação dos descontos em contratos que não contenham definição de montante de energia elétrica contratada, mesmo que já estejam registrados na CCEE.
Além disso, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) será responsável por apurar, anualmente, os desvios entre os montantes contratados e os efetivamente utilizados, sujeitando as partes ao pagamento de encargos extraordinários revertidos à CDE, com base nas tarifas de uso incidentes.
A MP também reforça medidas contra fraudes. Indícios de simulação ou má-fé com a finalidade de obtenção de descontos tarifários serão comunicados à ANEEL para fins de apuração de responsabilidade e aplicação das sanções administrativas, civis e penais cabíveis.
Autoprodução em foco: regras mais estritas para o modelo que ganhou espaço
Outro ponto central da MP nº 1.300/2025 é o endurecimento das regras aplicáveis à autoprodução de energia elétrica, modelo que ganhou ampla adoção entre consumidores industriais e corporativos. O texto busca restringir o uso da autoprodução à sua finalidade original: a geração de energia por conta e risco do próprio consumidor, destinada exclusivamente ao seu consumo direto.
De acordo com o novo artigo 16-A, incluído pela MP, considera-se autoprodutor o consumidor titular de outorga de geração. No entanto, a norma prevê a possibilidade de equiparação a autoprodutor para consumidores com demanda contratada agregada mínima de 30 MW, sendo que cada unidade consumidora deve possuir, no mínimo, 3 MW de demanda individual.
A equiparação se aplica ao consumidor que participe, direta ou indiretamente, do capital social da geradora com outorga, com direito a voto; ou esteja sob controle societário comum, seja controlador, controlado ou coligado da geradora, também com direito a voto.
Essa equiparação, contudo, será limitada ao menor valor entre o montante de energia consumida e a participação efetiva do consumidor na sociedade de geração, coibindo arranjos de compartilhamento de benefícios. Além disso, a participação mínima no capital social de sociedades com ações preferenciais que concedam vantagens econômicas superiores deverá ser de pelo menos 30% do capital total.
Tais alterações trarão impactos para novos projetos que abrangem grandes consumidores e vêm sendo alvo de críticas de alguns setores, como de data centers, por exemplo.
Vale ressaltar que, empresas já equiparadas à autoprodução antes da publicação da MP terão seus arranjos preservados até o fim da vigência da outorga da usina, desde que cumpram ao menos uma das seguintes condições: (i) tenham sido equiparadas à autoprodução com contratos registrados na CCEE antes de 21/05/2025; (ii) participação integral (100%) do grupo econômico na sociedade titular de outorga para produção de energia; ou (iii) em até 60 dias da publicação da MP, apresentem à CCEE documentos formais de compra, opção de compra ou alteração societária firmados com certificado digital ou firma reconhecida, desde que a usina não tenha iniciado a operação antes de junho de 2007. Nesse último caso, o processo de transferência de ações ou alteração societária deverá ser concluído e apresentado à CCEE em até 24 meses, mediante comprovação formal na Junta Comercial ou em livro de registro de ações.
Por fim, a partir de 60 dias após a publicação da MP, novos arranjos de autoprodução só serão admitidos para usinas cuja operação comercial tenha iniciado a partir de 21/05/2025.
Essas mudanças impõem maior rigor documental e regulatório, exigindo que empresas avaliem a estrutura jurídica, societária e contratual de seus projetos atuais e futuros, sob pena de desclassificação, glosa de benefícios e passivos regulatórios.
Abertura do mercado para baixa tensão: horizonte se aproxima
A MP também trata do cronograma de abertura do mercado para consumidores de baixa tensão, antecipando diretrizes para a universalização do acesso ao Ambiente de Contratação Livre (ACL). Ainda que os detalhes regulatórios devam ser definidos por norma infralegal, a sinalização é clara: consumidores residenciais, comerciais e pequenos industriais poderão migrar para o mercado livre nos próximos anos, o que demandará mudanças no modelo de atendimento, na estrutura de comercialização e na regulação setorial.
Esse novo contexto pressiona os agentes consolidados a revisar suas estratégias comerciais, investir em digitalização de processos e ampliar o suporte técnico a novos perfis de consumidores, inclusive por meio de novos modelos de negócio, sendo recomendado avaliar a experiência de outros países que passaram por tal processo.
O que as empresas precisam fazer agora?
Diante de um cenário regulatório em transição e ainda em debate, recomenda-se que os players do setor acompanhem de perto a tramitação legislativa da MP e as futuras regulamentações da ANEEL, bem como, em uma medida preventiva, revisitem suas estratégias de médio e longo prazo diante das alterações propostas e discutidas.