Quando o uso da tecnologia vira crime: a primeira menção à inteligência artificial no Código Penal

A criação do artigo 147-B do Código Penal, que tipificou a violência psicológica contra a mulher, foi um marco no enfrentamento da violência de gênero. A norma reconheceu que as agressões não se limitam à esfera física, mas também alcançam a emocional, permitindo uma resposta penal mais adequada à complexidade das diversas formas de opressão sofridas por mulheres.

Em que pese o fato de o referido tipo penal ter sido introduzido recentemente no Código Penal, em 2021, a velocidade com que as relações sociais evoluem evidenciou a necessidade de ampliar a sua compreensão diante de novas formas de violência psicológica, especialmente aquelas praticadas com o uso de tecnologias avançadas, especificamente o uso de inteligência artificial, que tem sido empregada para criar conteúdos falsos e ofensivos, com grande potencial de dano.

Um exemplo emblemático dessa situação é o chamado deepfake: vídeos gerados por IA que colocam a vítima em situações vexatórias ou constrangedoras sem que ela jamais tenha participado da cena. A repercussão desses conteúdos, facilmente replicáveis em redes sociais, amplia a intensidade da violência psicológica e dificulta a reparação ou contenção dos danos.

Foi nesse contexto que surgiu a Lei nº 15.123/2025, publicada em abril de 2025, que incluiu no Código Penal, pela primeira vez na história, o uso de inteligência artificial como agravante da pena prevista para um crime: “Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime é cometido mediante uso de inteligência artificial ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere a imagem ou o som da vítima.”

Na prática, isso significa que, ao condenar o agressor, a pena do crime de violência psicológica será majorada quando ficar demonstrado que houve emprego de IA pelo agressor. Nesse viés, o objetivo é duplo: punir com maior rigor e, ao mesmo tempo, desestimular o uso dessas tecnologias como instrumentos de perpetuação da violência de gênero.

O impacto da inovação legislativa é significativo. A alteração na norma fortalece o entendimento de que o ambiente digital não é um espaço de impunidade, e que condutas danosas serão responsabilizadas duramente na esfera criminal.

Vale lembrar que o Código Penal brasileiro, elaborado em 1940, sempre enfrentou o desafio de se manter atual diante das constantes mudanças sociais e tecnológicas. Nas últimas décadas, reformas pontuais buscaram modernizar sua aplicação, mas, até recentemente, a inteligência artificial ainda não havia aparecido expressamente em seu texto.

Essa abertura legislativa projeta consequências para além desse crime específico. A tendência é que outros tipos penais passem a prever o uso de inteligência artificial como elemento qualificante ou agravante quando o uso dessa ferramenta potencializar o dano causado à vítima, garantindo que o Direito Penal continue apto a proteger a sociedade em meio às transformações da era digital.

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