Os riscos ocultos dos contratos de aluguel aplicado

O modelo de contratação conhecido como “aluguel aplicado” ganhou espaço como alternativa para quem busca a casa própria, mas que não possui condições de arcar com o valor de entrada exigido em um financiamento bancário comum. A lógica é simples: o consumidor aluga o imóvel, paga mensalidades por um período e, ao final, pode exercer a opção de compra do imóvel, abatendo os valores já pagos do preço total.

À primeira vista, parece uma solução acessível; na prática, porém, sua validade depende de uma estruturação estritamente aderente à lei. Em recente julgamento, a 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) analisou contratos firmados nessa modalidade e concluiu que não havia ali uma verdadeira locação. Tratava-se, na realidade, de uma compra e venda disfarçada, estruturada para afastar a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor e da Lei do Distrato.

Esse tipo de prática pode se aproximar da clássica simulação, prevista no Código Civil, pois a forma não corresponde à essência do negócio e à real vontade das partes. Embora a simulação seja, em regra, causa de nulidade do contrato, no caso, o TJSP destacou que havia também um vício de consentimento, já que o contratante era induzido a acreditar que celebrava uma locação, quando, na prática, assumia obrigações de comprador. Mais do que uma discussão conceitual, a decisão reconhece que esse tipo de contrato, sem estar devidamente redigido e transparente, pode abrir margem para violação da boa-fé objetiva e desequilibrar uma relação contratual.

A análise também foi considerada levando em conta o ponto de vista econômico. No caso em questão, o contrato discutido foi celebrado em plena pandemia, período marcado por instabilidade nas relações contratuais e significativa pressão sobre a renda das famílias. Nesse contexto, os valores pagos a título de aluguel eram até 60% superiores aos praticados em locações comuns, quando corrigidos pelo IGP-M — índice que sofreu variações expressivas no período — e ainda com acréscimos de juros. Em vez de facilitar o acesso à casa própria, o contrato acabava onerando mais do que um financiamento tradicional, com o agravante de que, ao final, o contratante poderia não conseguir concretizar a compra e perder parte significativa do que já havia desembolsado.

A decisão do TJSP expõe os riscos dessa modalidade contratual e reafirma a importância da transparência nas relações contratuais. Mais do que a forma ou o nome atribuído ao contrato, é a essência da relação jurídica que deve prevalecer. Pela boa-fé objetiva, as partes devem agir com lealdade e transparência, garantindo informações claras e evitando qualquer conduta que possa induzir ao erro.

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