Franquias costumam ser associadas a crescimento acelerado, menor risco para franqueados e franqueadores e à expansão nacional das marcas. Não à toa, o franchising se consolidou como um dos principais motores de crescimento empresarial no Brasil. Mas, junto com as oportunidades, surgem também armadilhas: modelos que se apresentam como franquias, mas na realidade escondem esquemas capazes de gerar sérias consequências jurídicas e penais para administradores e sócios.
A discussão ganhou força com o caso amplamente noticiado da atriz Giovanna Antonelli e da rede de estética Giolaser. A marca passou a ser investigada após denúncias de dezenas de franqueados que relataram promessas de faturamento irreais, suposta manipulação de dados contábeis e uma expansão da franquia baseada mais na captação de novos investidores do que na prestação efetiva de serviços. A acusação central: a existência de uma pirâmide financeira camuflada sob a forma de franquia.
Em linhas simples, a pirâmide financeira é um sistema em que os lucros dependem da entrada constante de novos participantes, e não da venda real de produtos ou serviços. Prometem-se ganhos elevados e garantidos, mas sem qualquer base econômica concreta, o que torna o modelo insustentável.
No universo das franquias, isso acontece quando o franqueador passa a ganhar mais com a venda de novas unidades do que com a atividade principal em si. Nesse cenário, a rede cresce para dentro — alimentada pela entrada de novos franqueados —, mas não se sustenta para fora, pois falta receita real oriunda de clientes e consumidores, levando os franqueados a adquirir modelos de negócios insustentáveis.
No Brasil, a pirâmide é considerada crime contra a economia popular (Lei nº 1.521/1951, art. 2º, IX), sujeita a pena de reclusão e multa. Em situações mais graves, os tribunais também têm reconhecido que tais condutas podem se enquadrar em outros crimes previstos no Código Penal, como:
- Estelionato (art. 171, CP): quando há engano direto do investidor;
- Falsidade ideológica (art. 299, CP): em contextos de adulteração de documentos contábeis, contratos ou relatórios financeiros para atrair novos participantes;
- Associação criminosa (art. 288, CP): diante da atuação organizada de diversos agentes para estruturar e expandir o esquema.
Além disso, tramitam atualmente no Congresso projetos de lei — como o PL 2.512/2021, o PL 744/2021 e o PL 3.706/2021 — que buscam agravar a punição, propondo penas mais severas para a prática.
Alguns sinais ajudam a identificar uma pirâmide disfarçada de franquia: dependência exclusiva da entrada de novos investidores, inexistência de produto ou serviço real que sustente o negócio, promessas de retorno financeiro desproporcionais e colapso previsível, já que o lucro de poucos depende do prejuízo de muitos.
É importante, no entanto, diferenciar a pirâmide financeira do marketing multinível, modelo legítimo de vendas em rede. Nesse último, os ganhos dos participantes vêm principalmente da venda de produtos ou serviços reais ao consumidor final, além de comissões proporcionais às vendas de sua equipe. O produto é o centro do negócio: útil, com preço adequado e mercado consumidor contínuo. A rede pode se expandir com novos distribuidores, mas continua viável mesmo sem essa expansão, justamente porque há demanda real.
Enquanto a pirâmide se sustenta apenas com o recrutamento de novos participantes do esquema e configura crime, o marketing multinível tem base na circulação efetiva de bens ou serviços e constitui atividade lícita. Saber distinguir uma prática da outra é essencial para empresas de grande porte, especialmente franqueadoras, que precisam garantir que sua operação esteja dentro dos limites legais para evitar riscos criminais.
O caso Giolaser evidenciou que o conflito entre franqueador e franqueados não se limita à esfera cível, onde normalmente são discutidas indenizações e descumprimento contratual. Quando a estrutura do negócio se aproxima de uma pirâmide financeira, a responsabilização pode alcançar a esfera penal, expondo administradores, sócios e até representantes da marca a investigações criminais. Nessas situações, a questão deixa de ser apenas um litígio empresarial e passa a envolver a responsabilização pessoal dos envolvidos, com risco de restrições de liberdade e outras sanções graves.
Nesse cenário, não há espaço para descuido. A prevenção é a única forma de evitar que a busca por crescimento se transforme em processo criminal.