As investigações em curso sobre irregularidades contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) revelam não apenas o maior esquema de fraudes previdenciárias das últimas décadas, que lesam os cofres públicos e comprometem a sustentabilidade do sistema, mas também evidenciam a sofisticação de organizações criminosas com atuação empresarial.
O escândalo revelou movimentações financeiras atípicas identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) na ordem de R$ 4,3 bilhões, com participação de empresas e entidades que mantinham contratos com o poder público ou associações voltadas a aposentados.
De acordo com as apurações recentes divulgadas pela imprensa e confirmadas por fontes oficiais, as fraudes detectadas no INSS em 2024 envolvem práticas sistemáticas de falsificação de documentos, utilização de dados de pessoas falecidas, concessão irregular de aposentadorias e pensões, além do uso de empresas fictícias para justificar vínculos empregatícios inexistentes.
As investigações, conduzidas pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, identificaram também a atuação de entidades associativas e sindicatos que realizavam descontos mensais em folha sem autorização dos segurados.
A obtenção de benefícios previdenciários, ou de qualquer outra vantagem, por meio de fraude contra o INSS, pode caracterizar o crime de estelionato qualificado, previsto no art. 171, §3º, do Código Penal, que incide quando a vítima é uma entidade de direito público. Trata-se de conduta consistente em induzir ou manter o ente previdenciário em erro, mediante falsidade ou artifício, com o objetivo de causar prejuízo e obter vantagem ilícita, como é o caso do recebimento indevido de benefício previdenciário.
Por outro lado, quando a fraude tem como vítima direta o segurado ou beneficiário da Previdência Social, como nos casos de desconto indevido de empréstimos consignados ou cobranças não autorizadas, a conduta poderá caracterizar o crime de estelionato simples, previsto no caput do art. 171 do Código Penal. Nesses casos, o prejuízo recai sobre o patrimônio do particular, e não diretamente sobre o INSS.
Nos casos de fraudes previdenciárias cometidas com a colaboração de empresas ou por seu intermédio, os sócios, administradores e demais responsáveis pela condução das atividades empresariais podem ser diretamente responsabilizados pelo próprio estelionato, especialmente quando atuam com dolo ou se beneficiam do esquema fraudulento.
Além disso, podem responder cumulativamente por outros delitos, como falsidade ideológica (art. 299, CP), quando apresentarem ou utilizarem documentos falsificados; associação criminosa (art. 288, CP), quando houver vínculo estável e divisão de tarefas entre os envolvidos; e lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), quando valores obtidos ilicitamente forem ocultados ou dissimulados por meio de estruturas empresariais.
Como resposta política, foi protocolado um requerimento para a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), com apoio de 36 senadores e 223 deputados, com o objetivo de apurar responsabilidades nos descontos ilegais nos benefícios previdenciários.
Além disso, foram apresentados diversos projetos de lei, como o PL 2275/2025, que pretende classificar como crime hediondo a obtenção de vantagem ilícita mediante fraude contra o INSS. Já a Câmara dos Deputados aprovou urgência para propostas que visam coibir descontos automáticos e reforçar mecanismos de transparência.
Nesse contexto, a ótica penal empresarial ganha relevância incontornável. Empresas que serviram como facilitadoras da fraude, seja por meio da emissão de documentos falsos, seja por lavagem de dinheiro, se colocam no centro das investigações.
A responsabilização de pessoas jurídicas, nos termos das legislações cível e administrativa, como a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), já encontra respaldo na prática de fraudes estruturadas. Contudo, a responsabilização penal direta da pessoa jurídica continua vedada no âmbito penal – exceto nos crimes ambientais.
Portanto, embora as empresas figurem como instrumentos ou facilitadoras em esquemas fraudulentos, a responsabilização criminal recai, de forma legítima e fundamentada, sobre as pessoas físicas que agem em seu nome ou que se beneficiam da estrutura empresarial para delinquir. Eventuais medidas punitivas às pessoas jurídicas permanecem circunscritas ao campo sancionatório extrapenal, como multas, interdições e sanções contratuais.