Nas últimas semanas, vieram a público diversos casos de intoxicação por consumo de bebidas alcoólicas adulteradas com metanol — substância altamente tóxica e proibida para uso em produtos destinados à ingestão humana. Os relatos incluem mortes, internações e sequelas irreversíveis, como por exemplo a cegueira.
Considerando a gravidade da situação, é fundamental esclarecer que a responsabilização criminal por esses casos não se restringe às pessoas diretamente envolvidas na falsificação do produto. Proprietários e gerentes de estabelecimentos que comercializam bebidas — como bares, restaurantes, distribuidoras e casas noturnas — também podem ser investigados quando deixam de adotar os cuidados mínimos necessários ao adquirir e colocar tais produtos à disposição do consumidor.
Como, no Brasil, pessoas jurídicas respondem penalmente apenas por crimes ambientais, a responsabilidade tende a recair sobre sócios-administradores e gestores, sobretudo quando decidem sobre compras, homologam fornecedores e deixam de implementar controles internos proporcionais ao risco dos produtos revendidos. No exercício dessas funções, os gestores têm dever de garante sobre as bebidas comercializadas – ou seja, possuem obrigação legal de agir para impedir um resultado lesivo decorrente da inaptidão desses produtos para o consumo.
Entre os crimes que podem ser caracterizados neste contexto, destaca-se aquele previsto no artigo 272 do Código Penal, que tipifica a falsificação, corrupção ou alteração de substância alimentícia ou medicinal, e atribui pena de reclusão de quatro a oito anos, além de multa. O §1º-A e §1º estende essa pena a quem importa, exporta, vende, expõe à venda, tem em depósito para venda, distribui ou entrega bebida falsificada, corrompida ou adulterada.
Ressalta-se que esse crime admite forma culposa, conforme o § 2º do artigo 272, do Código Penal. Isso significa que não é necessário que o agente tenha atuado com a intenção de lesar ou colocar em risco a saúde pública. Basta que tenha atuado de forma imprudente, negligente ou imperita, como nas seguintes condutas:
- Comprar bebidas de fornecedores sem análise de procedência;
- Adquirir produtos muito abaixo do preço de mercado, sem justificativa plausível;
- Deixar de exigir notas fiscais ou comprovações da origem dos produtos;
- Manter em estoque bebidas com sinais visíveis de adulteração.
Além do crime de falsificação de bebida, as autoridades que conduzem a investigação podem atribuir aos investigados o crime contra as relações de consumo previsto no artigo 7º, inciso IX da Lei nº 8.137/1990[1] ou mesmo homicídio culposo (artigo 121, §3º do Código Penal)[2].
Diante desse cenário desafiador, formado por incertezas na cadeia de fornecimento de bebidas alcoólicas e desconfiança dos consumidores, é essencial que os estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas revisem seus procedimentos internos, reforcem os critérios de escolha de fornecedores e mantenham documentação que comprove a regularidade das aquisições. A adoção de medidas preventivas — ainda que simples — pode fazer toda a diferença para garantir a confiabilidade do estabelecimento e para mitigar riscos de responsabilização criminal.
[1] Art. 7°. Constitui crime contra as relações de consumo:
IX – vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;
Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
[2]Art. 121. Matar alguém:
§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena – detenção, de um a três anos.