CONFLITO DE INTERESSES – COMO MITIGAR ESSE RISCO

Como muitos leitores já sabem, o conflito de interesses ocorre quando questões profissionais, financeiras, familiares, políticas ou pessoais podem interferir no julgamento das pessoas ao exercerem suas ações dentro das organizações[1].

Decisões tomadas em nome das empresas devem ser pautadas em critérios técnicos e objetivos, prezando pelos resultados econômicos, sociais e de sustentabilidade; no entanto, a pessoa em conflito de interesses pode ser influenciada ou tomar decisões motivadas por pretensões particulares e que podem ser divergentes dos propósitos e metas da empresa.

Por este motivo, a prevenção ao conflito de interesses é um dos objetivos de um Programa de Compliance.

As situações mais recorrentes de conflito de interesses se caracterizam quando estamos diante da contratação de fornecedores, prestadores de serviços e demais parceiros de negócio que tenham colaboradores, parentes ou amigos próximos de colaboradores ou sócios da empresa em seu quadro funcional, ou ainda na situação de contratação de familiares ou amigos próximos na empresa e também quando há o relacionamento afetivo entre colaboradores com nível de subordinação entre eles.

Também é comum que se verifique o conflito de interesses quando membros da família ou amigos próximos de colaboradores trabalham para algum concorrente direto da empresa ou quando o colaborador presta serviços para outras empresas (como consultorias, serviços técnicos), possui algum outro emprego ou possui posição fora da empresa, por exemplo, no conselho administrativo de outra companhia.

Ainda, é comum a caracterização de conflito de interesses quando há o relacionamento familiar ou afetivo com pessoas politicamente expostas – agentes públicos que desempenham ou tenham desempenhado, nos cinco anos anteriores, no Brasil ou no exterior, cargos, empregos ou funções públicas relevantes – uma vez que este relacionamento pode colaborar com a práticas de não conformidades, como, por exemplo, a facilitação no processo de obtenção de licenças, alvarás e autorizações.

E vale destacar também o conflito de interesses identificado quando da contratação de ex-agentes ou ex-funcionários públicos, uma vez que, no relacionamento entre quem já exerceu função pública e agora representa a empresa e aqueles que são parte de órgãos da administração pública, há a possibilidade de tráfico de influência e/ou de informações, capaz de trazer vantagem econômica ou financeira indevida à empresa ou a terceiros – neste ponto, merece atenção a necessidade de cumprimento do prazo de quarentena de seis meses pelo ex-servidor ou ex-empregado público, conforme as diretrizes constantes na Lei Anticorrupção[2].

No entanto, indo além das situações destacadas acima, cada empresa deve se atentar às particularidades de seu negócio e operação para mapear quais são as situações de potencial conflito de interesses.

Critérios como o nível de interação com a administração pública, a quantidade de players no mercado no qual a empresa está inserida e o relacionamento entre estes, a localização geográfica de suas plantas (o relacionamento entre pessoas da empresa pode ser um fator de retenção da mão de obra especializada a depender da localização da empresa), entre outros, devem ser analisados neste mapeamento.

Concluído o mapeamento das situações de potencial conflito de interesses, é importante que as disposições sobre o assunto sejam trazidas no Código de Conduta da empresa, com a indicação de exemplos de como essas situações podem se caracterizar no dia a dia da operação, buscando facilitar a compreensão de todos sobre o assunto.

Ainda, a depender da criticidade dos riscos mapeados pela empresa, é recomendado também que haja uma política sobre o assunto, que aborde o tema de forma específica e aprofundada.

Além de constar no Código de Conduta e em política específica, é importante que a empresa promova treinamentos e ações de comunicação interna para conscientização dos colaboradores, terceiros e parceiros de negócio a respeito do tema, de modo que o olhar crítico sobre o assunto seja incorporado, facilitando a identificação destas situações na prática.

A empresa deve, através de sua documentação, comunicação e treinamentos, esclarecer qual o seu posicionamento em relação ao tema e quais as possíveis consequências, caso seja constatada a situação de conflito.

Importante também estabelecer um processo para que os colaboradores, parceiros e terceiros possam realizar o reporte de eventual conflito de interesses, através do preenchimento de um formulário de conflito de interesses no qual são realizadas perguntas que direcionam o colaborador a identificar e informar se está diante de situações que possam influenciar no seu processo de tomada de decisões.

Neste sentido, vale lembrar que a existência de uma possível situação de conflito de interesse não significa necessariamente uma violação ao Código de Conduta e política da empresa, mas a omissão no reporte, sim.

Além do processo de mapeamento através do preenchimento do formulário de conflito de interesses, a empresa deve indicar que o canal de denúncias – canal para o reporte anônimo ou não de eventuais violações à legislação aplicável e/ou Código de Conduta e políticas da empresa – está apto a receber reportes de eventuais situações de conflito de interesses identificadas por colaboradores, parceiros ou terceiros.

Realizado o reporte pelos colaboradores, parceiros ou terceiros, via formulário ou canal de denúncias, caberá ao time de compliance, ou time destacado para esta finalidade, a análise das situações para verificar as ações que devem ser tomadas para evitar que decisões desalinhadas com os melhores interesses da empresa sejam tomadas.

De modo geral, temos como exemplos de medidas mitigadoras de risco de conflito de interesses a segregação de funções dentro de um mesmo processo, não permitindo que um colaborador atue em todas as etapas de uma mesma operação ou atividade.

Para os casos em que um conflito de interesses foi identificado, é recomendada a remoção do profissional em conflito do processo de tomada de decisão, com interrupção imediata de sua participação na operação em questão e reavaliação das ações e decisões sob sua responsabilidade que possam ter sido influenciadas, resultar ou agravar o conflito de interesses.

Ainda, existe a possibilidade de transferências de colaboradores de áreas ou funções, especialmente nas hipóteses referentes a relacionamentos familiares ou afetivos.

Independentemente das medidas a serem adotadas, o objetivo deve ser impedir que colaboradores, parceiros ou terceiros atuem de maneira divergente aos objetivos e interesses da empresa, ou atuem de forma a afetar negativamente a confiança de clientes e demais stakeholders na integridade e nos valores da empresa.

 

 

 

 

MARCO AURELIO BAGNARA OROSZ

marco.orosz@fius.com.br

 

ISADORA COIMBRA DINIZ

isadora.diniz@fius.com.br

 


[1] NBR ISO 37001:2016

[2] Lei nº 12.846/2013

 

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