A Alienação Fiduciária de Imóveis, mecanismo jurídico que ganhou força exponencial com a publicação da Lei nº 9.514 de 1997, consolidou-se como um instrumento crucial e insubstituível para a operacionalização e para a estabilidade do mercado de financiamento imobiliário no Brasil.
Sua adoção é ampla e estratégica, sendo preferida por instituições financeiras, empresas incorporadoras e construtoras em detrimento da hipoteca, em razão de sua maior robustez na estruturação de garantias e da maior eficácia na gestão e mitigação dos riscos inerentes às operações de crédito de longo prazo.
Na alienação fiduciária, o comprador do imóvel (devedor ou fiduciante) continua usando e morando no bem, mas a propriedade formal fica, provisoriamente, em nome do credor (fiduciário). Essa transferência temporária da propriedade é registrada no Cartório de Registro de Imóveis e serve como garantia do pagamento do financiamento.
Se a dívida for paga integralmente, a propriedade plena do imóvel retorna automaticamente ao devedor. Em caso de inadimplência, a propriedade consolida-se em nome do credor, que pode iniciar a execução da garantia por meio de leilões extrajudiciais. Com isso, a dívida do devedor é encerrada nos termos previstos em lei e no contrato.
De toda forma, embora existam premissas e procedimentos objetivamente previstos em lei, a aplicação desse instituto gerou profundos debates jurisprudenciais e incertezas no ambiente negocial.
Entre as principais controvérsias, destaca-se a discussão sobre a possibilidade de aplicar, por analogia, a proteção contida na Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relativa à garantia hipotecária, aos contratos com cláusula de alienação fiduciária.
A Súmula 308 do STJ protege o comprador de boa-fé contra a hipoteca registrada pela construtora para financiar a obra. Na prática, tal hipoteca — registrada antes ou depois da promessa de compra e venda — não pode ser executada em prejuízo de quem adquiriu regularmente o imóvel. Em outras palavras, busca-se impedir que o comprador seja surpreendido pela execução da hipoteca, preservando sua posse e seu direito ao imóvel diante de eventual inadimplemento da incorporadora perante o agente financeiro.
Aplicada sem distinções, essa proteção gerou dúvidas sobre a validade de outro tipo de garantia: a alienação fiduciária. A ausência de um posicionamento claro criava insegurança no mercado.
Com o objetivo de reforçar a segurança jurídica e eliminar as controvérsias até então existentes, o STJ pacificou a questão no julgamento do REsp 2.130.141/RS, firmando o entendimento de que a Súmula 308 não se aplica aos contratos que utilizam a alienação fiduciária como garantia.
O fundamento central dessa decisão reside no reconhecimento da autonomia legal e estrutural da alienação fiduciária, distinguindo-a da hipoteca. O STJ afirmou que a alienação fiduciária possui regime jurídico próprio, conferido pela Lei nº 9.514/97, não sendo cabível aplicar regras criadas para outro tipo de garantia.
Com essa decisão, o STJ buscou equilibrar a proteção ao comprador de boa-fé com a necessidade de assegurar confiança a quem financia. A mensagem é dupla: proteger o consumidor é essencial, mas a garantia precisa operar de forma eficaz para que bancos e instituições financeiras mantenham condições favoráveis de crédito no mercado imobiliário.
Para incorporadoras, construtoras e intermediárias, o precedente é especialmente relevante. Ele reforça a necessidade de rigor na verificação e no registro documental, bem como a importância de transparência para que todas as partes compreendam os riscos envolvidos quando há alienação fiduciária.
Ao reafirmar a segurança e a autonomia da alienação fiduciária, a decisão também incentiva o crédito imobiliário. Com mais previsibilidade na cobrança das dívidas e na execução da garantia, o risco diminui para as instituições financeiras e para as demais empresas que operam no mercado imobiliário.
Em síntese, o STJ aumentou a segurança jurídica dos contratos com alienação fiduciária e definiu com clareza os limites da Súmula 308. Ao reconhecer a autonomia do regime da Lei nº 9.514/97, a decisão torna o ambiente de negócios mais estável e previsível, beneficiando bancos, incorporadoras e compradores e, além disso, favorece o desenvolvimento do mercado imobiliário.