Recuperação judicial e cessão de créditos trabalhistas

A recuperação judicial tem por finalidade permitir que uma empresa ou pessoa empresária se reestruture, devendo assegurar tratamento igualitário aos credores no pagamento dos créditos, promovendo a paridade econômica e social. Para isso, os créditos são classificados de acordo com sua natureza, garantindo um tratamento isonômico entre os diferentes tipos de crédito.

Nesse contexto, os créditos derivados da legislação trabalhista ou que tenham natureza alimentar recebem prioridade no pagamento, justamente por se referirem a uma categoria socialmente vulnerável. Dentre os privilégios aplicados a esta categoria, destaca-se a previsão legal de prazos e condições específicas para o pagamento, tal como prazo reduzido de pagamento e limitação legal para a aplicação de deságio.

Assim dispõe a lei: os créditos trabalhistas vencidos até a data do pedido de recuperação devem ser pagos no prazo máximo de um ano. Em situações excepcionais, esse prazo pode ser estendido até dois anos, mas sem a possibilidade de aplicação de deságio, conforme artigo 54, § 2º, III, da LREF.

Fica claro, portanto, que a natureza alimentar dos créditos trabalhistas lhes confere importantes prerrogativas dentro do processo de recuperação judicial.

Nesse cenário, o credor trabalhista que, por qualquer razão, queira antecipar o recebimento, poderá aliená-lo por meio de cessão onerosa de direitos. No entanto, algumas dúvidas podem surgir a quem tenha interesse de adquirir esse crédito, especialmente quanto à manutenção dos benefícios legalmente atrelados à natureza alimentar desses créditos após a cessão.

Este tema já foi debatido algumas vezes pelo Judiciário e, em uma das discussões, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Douglas Alencar Rodrigues, no julgamento do processo AIRR 820-23.2015.5.06.0221, afirmou que a proteção jurídica conferida aos créditos trabalhistas, de caráter essencialmente alimentar, não se revela incompatível com a possibilidade de cessão, desde que observados os requisitos gerais de validade do negócio jurídico, previstos no artigo 104 do Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não proibida em lei.

Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 631.537, fixou a tese de que “a cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza”. O relator ainda destacou: “Isso porque, consideradas as condições do mercado, se o crédito perde a qualidade que lhe é própria, a viabilizar pagamento preferencial, ocorre a perda de interesse na aquisição ou, ao menos, a diminuição do valor.” Assim, os privilégios permanecem mesmo após a cessão do crédito.

Assim, a cessão dos créditos trabalhistas no contexto da recuperação judicial representa uma alternativa legítima e eficaz para os credores que buscam maior agilidade no recebimento de seus valores, sem que isso implique a perda dos privilégios assegurados pela natureza alimentar desses créditos, uma vez que a jurisprudência tem reconhecido que a cessão realizada de forma regular não descaracteriza a natureza do crédito. Esse entendimento, inclusive, abre caminhos e reforça a segurança a players interessados na compra de créditos em recuperações judiciais, garantindo a prioridade no recebimento futuro.

Portanto, em ambas as perspectivas, trata-se de uma operação segura e compatível com a sistemática da recuperação judicial, sem prejuízo ao tratamento legalmente previsto para esse tipo de crédito.

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