O abuso do direito de voto em sede de assembleia geral de credores: conexões entre o caso Odebrecht e o PL 2009/2025

Em dezembro de 2024, uma decisão da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo trouxe à tona um debate sensível que impacta diretamente credores e empresas em recuperação judicial. No processo de soerguimento de um dos maiores grupos de engenharia do país, o magistrado afastou o voto de um credor relevante, que havia se posicionado favoravelmente à aprovação do plano, por entender que ele teria sido exercido de forma abusiva.

O raciocínio central foi simples e contundente: o voto, ainda que positivo, não pode ser instrumento para obter vantagens particulares que desvirtuem o equilíbrio entre credores. No caso concreto, o banco atuava simultaneamente como maior credor quirografário do grupo, bem como na condição de financiador-âncora de um aporte mínimo de US$ 120 milhões, com contrapartidas expressivas, incluindo juros elevados, remuneração de compromisso e, sobretudo, um bônus de subscrição que lhe permitiria adquirir 10% da nova companhia por apenas R$ 1,00 (um real).

Para o juízo que proferiu a decisão, esse pacote de benefícios, aliado à posição determinante do banco no resultado da assembleia, criou um conflito de interesses evidente. O banco teria aceitado quase 99% de deságio no crédito justamente porque lucraria de outras formas, desalinhando-se dos interesses dos demais credores. O resultado foi o afastamento do voto e a concessão de prazo suplementar para apresentação de nova proposta, prorrogando o stay period pelo mesmo prazo.

Este episódio ilustra o desafio de compatibilizar o legítimo exercício do direito de voto, que naturalmente envolve interesse próprio, com a necessidade de preservar o interesse coletivo e os objetivos da recuperação judicial. De um lado, credores precisam de segurança para estruturar operações complexas, que muitas vezes representam a única fonte de liquidez para a empresa em crise. De outro, recuperandas e demais credores buscam garantir que as decisões assembleares não sejam direcionadas por benefícios individuais que prejudiquem a coletividade.

Nesse contexto, o Projeto de Lei nº 2009/2025, de autoria do deputado Jonas Donizette, propõe alterações à Lei nº 11.101/2005 para reforçar o combate ao voto abusivo em assembleias de credores. O texto prevê a possibilidade de declaração de nulidade do voto quando este for manifestamente exercido para obter vantagem ilícita, causar prejuízo ao devedor ou aos demais credores, ou quando exercido de forma incompatível com os objetivos da recuperação judicial. O projeto também estabelece que a aferição dessa conduta deve observar princípios como a boa-fé, a preservação da empresa, a função social, o estímulo à atividade econômica e o interesse coletivo dos credores.

Ao mesmo tempo, a proposta legislativa abre espaço para debates sobre limites e garantias, de modo a evitar que a repressão ao voto abusivo crie insegurança para credores de boa-fé ou inviabilize operações essenciais ao êxito do soerguimento empresarial.

O desafio legislativo e jurisprudencial é traçar, com clareza, a fronteira entre o exercício legítimo do voto, que naturalmente envolve a defesa de interesses próprios, e eventual abuso que comprometa o interesse coletivo e o equilíbrio do processo recuperacional. Ao detalhar hipóteses e critérios para essa análise, o projeto de lei tende a aumentar a segurança jurídica, desencorajar estruturas artificiais voltadas à manipulação de quóruns e ampliar o controle judicial sobre práticas que violem a paridade entre credores.

O que se pode extrair do texto do projeto é que a preservação da empresa não pode ocorrer à custa da violação da paridade entre credores. A recuperação judicial deve cumprir sua função social e econômica, assegurando a continuidade das atividades e a manutenção de empregos, sem sacrificar direitos de determinados grupos em benefício de outros.

Atualmente, o projeto tramita na Câmara dos Deputados sob regime conclusivo, tendo sido distribuído às Comissões de Indústria, Comércio e Serviços e de Constituição e Justiça e de Cidadania. O deputado Zé Adriano (PP-AC) foi designado relator na primeira comissão, e o prazo para emendas já está aberto. Após análise e votação, o texto poderá seguir diretamente ao Plenário e, se aprovado, ao Senado Federal para prosseguimento da tramitação.

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