CONTRATOS DERIVATIVOS FORA DO MERCADO FINANCEIRO

No Direito brasileiro, contratos derivativos são considerados valores mobiliários e, como tais, sujeitos à fiscalização do Conselho Monetário Nacional (CMN). O art. 3º, VI, da Lei nº 6.385/1976, estabelece, por exemplo, que as condições de negociação de contratos derivativos estão sujeitas à fixação pela CMN. Além disso, a emissão e a distribuição de valores mobiliários – dentre eles, insista-se, os contratos derivativos – estão restritas a certas entidades, como instituições financeiras, bolsas de valores, agentes intermediadores, entre outros.

De modo geral, portanto, a criação do conteúdo desses contratos, a sua celebração e a sua circulação são objeto de estrita regulação (legal e administrativa), o que, naturalmente, impõe um questionamento: é possível aos demais agentes privados celebrarem, entre si, contratos derivativos, ainda que, dentro da sua autonomia privada, tais agentes façam esse contrato parecer algo distinto do que é?

Esse é um ponto importante, na medida em que os agentes econômicos recorrem a esse tipo de instrumento para, basicamente, duas finalidades: (i) especulação; e (ii) operações de hedge. Como bem pontuou o vencedor do Nobel de Economia de 2017, Richard Thaler, praticamente qualquer bem ou fato pode servir de referencial de um derivativo – e isso, inclusive, está na ratio do nome deste instrumento (derivativos) -, e é isso, então, que o aproxima de uma ferramenta de jogo ou aposta. A utilização do derivativo para fins especulativos serve a essa impressão. Mas é também porque quase tudo pode servir como parâmetro de um derivativo que esse instrumento se transforma num importante elemento de proteção contra variações de preços de mercado. Oscilações cambiais ou de preços de produtos agrícolas, por exemplo, podem afetar menos os agentes que transfiram o risco decorrentes dessas variações para o ambiente de contratos derivativos.

O “monopólio” do sistema financeiro quanto à emissão desses instrumentos – e que empurram os custos de transação nesse tipo de operação para cima – poderia, por exemplo, levar um produtor que tivesse prometido a venda sacas de soja a um preço pré-fixado a ter a ideia de se proteger do custo de oportunidade decorrente de uma eventual apreciação do seu preço de mercado por meio da celebração de um simulacro de derivativo. O cenário, aqui, é de hedge – em um cenário especulativo, qualquer imitação de derivativo empurraria a espécie para um negócio de jogo ou aposta, cuja exigibilidade é negada pelo Direito (art. 814, do Código Civil).

No exemplo citado acima, bastaria a realização da operação “inversa” pelo produtor: um compromisso de compra futura da mesma quantidade de sacas de soja a preços flutuantes. Uma solução simples e, naturalmente, errada para um problema complexo. É que derivativos, embora se liguem a um objeto de referência (como a soja, no exemplo), não implicam, em regra, entrega física do bem. Trata-se de mera liquidação financeira – e é nesse ponto que o instrumento se torna atrativo, independentemente da sua finalidade (especulativa ou de hedge). Essa liquidação financeira só seria possível no compromisso de compra futura mencionada acima se, antes da sua celebração, houvesse um acerto entre “comprador” e “vendedor” da soja quanto ao seu inadimplemento (sobretudo da obrigação de entrega das sacas), com a sua consequente conversão em perdas e danos. O problema, a esta altura, além de negocial (é preciso confiar inteiramente em um descumprimento da outra parte), é jurídico. Em que medida esse contrato seria uma simulação – e, portanto, nulo, nos termos do art. 167, do Código Civil? Não seria possível, por outro lado, argumentar que o negócio é produto de uma intenção comum de ambas as partes de escapar da regulação de mercado de capitais, jogando o negócio para a invalidade (art. 166, VI, do Código Civil)?

Em qualquer caso, como se vê, há uma limitação criativa na tarefa de conceber, fora do mercado financeiro, um negócio jurídico que jogue o mesmo papel que os contratos derivativos jogam tanto para fins especulativos, quanto para fins de proteção dos agentes econômicos contra flutuações de preços de mercado.

 

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