Em um mundo cada vez mais digital, soluções tecnológicas deixaram de ser diferenciais e se tornaram parte da espinha dorsal de empresas de todos os setores: desde a automação de processos a personalização do atendimento ao cliente, o desenvolvimento de software sob demanda é uma realidade crescente — e estratégica.
Porém, com essa evolução, surgem dúvidas jurídicas cruciais, como: quem é o dono do código-fonte desenvolvido por terceiros? Essa é uma pergunta que muitas empresas fazem apenas após o surgimento de algum conflito, enfrentando riscos como dependência de fornecedores, perda de competitividade e entraves para evoluções futuras no sistema. Por isso, compreender a titularidade do código-fonte é essencial para proteger os ativos digitais da empresa e evitar prejuízos.
O primeiro ponto crítico a ser compreendido é que, a depender do objeto do contrato entre as partes, os direitos relativos ao programa de computador pertencerão a uma parte ou a outra.
A titularidade dos direitos patrimoniais sobre programas de computador desenvolvidos no contexto de uma relação contratual ou empregatícia é, como regra geral, do empregador ou contratante de serviços. Isso ocorre quando o software é criado durante a vigência do vínculo, com finalidade voltada à pesquisa e ao desenvolvimento, ou se enquadra nas atribuições previstas para o trabalhador, contratado ou servidor público. Nesses casos, salvo estipulação em contrário, a retribuição pelo desenvolvimento limita-se à remuneração acordada, sem necessidade de pagamento adicional pelos direitos autorais patrimoniais.
Essa presunção legal fortalece a segurança jurídica de empresas que investem em inovação tecnológica no âmbito de suas operações, assegurando o retorno sobre tais investimentos, mas não afastam a necessidade de os contratos serem claros quanto à propriedade dos programas de computador.
Isso porque, por outro lado, a legislação resguarda os direitos do criador individual nos casos em que o programa de computador é concebido fora do escopo contratual, sem uso de recursos materiais ou informacionais da empresa, nem relação com os encargos do vínculo profissional. Nessa hipótese, os direitos patrimoniais pertencem exclusivamente ao criador (empregado, prestador de serviços, bolsista, estagiário ou servidor). Essa distinção é especialmente relevante em setores como o de tecnologia da informação e startups, em que é comum a sobreposição entre projetos corporativos e iniciativas pessoais.
A clareza contratual sobre a titularidade e a destinação dos softwares desenvolvidos é, portanto, essencial para prevenir litígios e proteger os interesses de todas as partes envolvidas. Isso vale, inclusive, nos casos em que a contratação tenha como finalidade pesquisa e desenvolvimento ou em que o desenvolvimento do software se enquadre nas atribuições do trabalhador, contratado ou servidor público.
Não deter a titularidade do programa de computador pode gerar implicações significativas: se a empresa desejar, no futuro, comercializar, adaptar, expandir ou até transferir o sistema para outro fornecedor, poderá esbarrar em barreiras legais que limitam o uso do próprio software que ela ajudou a construir. Diante desse cenário, vale mencionar que a lei permite a cessão dos direitos patrimoniais ou licença do programa de computador, desde que esta esteja expressa e por escrito, mas tal ajuste dependerá de uma negociação comercial com o respectivo proprietário, que pode não ter interesse em tal cessão, licença e/ou obstar tal ato por meio da cobrança de altos valores de royalties que inviabilizariam o projeto de comercialização.
Para evitar esse tipo de situação, que poderia resultar em inviabilidade de projetos, custos imprevistos, redução da autonomia tecnológica da empresa e, em casos mais graves, até mesmo na interrupção de operações essenciais, é fundamental avaliar tais questões quando da formalização dos contratos de prestação de serviços e de trabalho. Assim, é essencial adotar uma abordagem estratégica no momento da elaboração do contrato de desenvolvimento de software, de modo que este aborde, de forma clara e precisa, a propriedade sobre o programa de computador, definindo que a empresa contratante será a legítima titular da solução desenvolvida.
Existem, ainda, outros mecanismos jurídicos importantes, tais como cláusulas de confidencialidade, garantia de originalidade do código, previsão de responsabilidades em caso de violação de direitos de terceiros e definição sobre uso de software de código aberto. Cada uma delas protege a empresa contratante de riscos técnicos e jurídicos.
Ao contratar o desenvolvimento de um sistema personalizado, garantir a titularidade do código-fonte é tão importante quanto a definição do cronograma ou do orçamento. Nesse contexto, negligenciar esse aspecto pode expor as empresas a riscos, sem controle sobre um dos ativos potencialmente mais estratégicos da operação. Portanto, um contrato bem redigido, com cláusulas claras sobre propriedade intelectual, entrega do código fonte e responsabilidades, reduz significativamente o risco de litígios e bloqueios futuros.
Adicionalmente, adotar uma abordagem preventiva contribui para evitar surpresas desagradáveis e custos inesperados decorrentes de renegociações, migrações forçadas ou até mesmo da necessidade de reconstrução integral de sistemas.
Nesse sentido, além de observar a titularidade dos direitos patrimoniais sobre programas de computador, pode ser recomendável que as empresas adotem a prática de registrar seus softwares no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Embora o registro não seja obrigatório, ele oferece importante salvaguarda jurídica ao comprovar a autoria do desenvolvimento, sendo especialmente relevante em disputas relacionadas à concorrência desleal ou ao uso indevido do código fonte, protegendo o software como um ativo estratégico da empresa.
Portanto, a titularidade do código-fonte em contratos de desenvolvimento de software é uma questão central, que deve ser tratada com rigor e clareza, pois a ausência de cláusulas específicas pode gerar disputas e prejuízos para ambas as partes. Por isso, é fundamental que o contrato seja elaborado de forma minuciosa, contemplando todos os aspectos relativos à propriedade intelectual, à cessão ou licenciamento de direitos, à entrega e registro do código-fonte e à proteção de informações sensíveis, de forma que as partes possam desenvolver suas atividades com segurança, previsibilidade e respeito mútuo aos direitos envolvidos.