No ambiente empresarial, a contratação de terceiros para promover negócios comerciais em nome da empresa se torna necessário para ampliar seu mercado de atuação. Nesse cenário, duas figuras jurídicas ganham destaque: a representação comercial e o agenciamento.
Embora ambos tenham como objetivo viabilizar a aproximação entre a empresa e seus clientes, celebrando negócios, tratam-se de institutos distintos, regulados por regimes jurídicos diferentes: o contrato de representação comercial é disciplinado pela Lei especial nº 4.886/1965, ao passo que o contrato de agenciamento é regido pelas disposições gerais do Código Civil, especialmente os artigos 710 a 721.
O representante comercial é o profissional autônomo ou a empresa que atua em nome do representado, de forma habitual e com possível exclusividade, intermediando a celebração de negócios mercantis, nos termos e condições definidos pela Lei nº 4.886/1965. O artigo 1º da referida lei prevê que “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”.
A norma ainda impõe ao representado uma série de obrigações e garantias ao representante, como o pagamento de comissão sobre os negócios realizados, indenização por rescisão sem justa causa, pagamento de multa no caso de encerramento sem aviso prévio e respeito a critérios legais para alteração de território ou exclusividade. Ainda que seja formalizado um contrato, os limites impostos pela referida lei não podem ser ultrapassados, o que pode limitar a liberdade de negociação.
Além disso, a mesma norma prevê a obrigatoriedade de o representante comercial estar registrado perante o Conselho Regional dos Representantes Comerciais (CORE), conforme exigido pela Lei nº 4.886/65, sendo esta uma característica essencial para validar essa relação.
O agenciamento, por sua vez, por não possuir regulação legal específica, oferece maior flexibilidade contratual. O agente atua de forma mais fluida, sem os rigores de exclusividade, habitualidade ou subordinação, prestando serviços de intermediação de forma pontual ou eventual, conforme pactuado entre as partes. Ou seja, aquilo que é negociado contratualmente entre as partes é o que vai disciplinar a relação. O artigo 710 do Código Civil define que “Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada”.
Apesar de a própria doutrina reconhecer a semelhança entre os institutos, a jurisprudência entende que a diferença entre eles está no fato de que, enquanto a representação comercial é destinada a intermediar negócios, atuando até a efetiva conclusão do negócio, o agenciamento figura como uma prestação de serviços de promoção de vendas, conforme entendeu a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação nº 5024218-76.2022.8.21.0001. Importante destacar, contudo, que essa distinção não é pacífica. Parte da doutrina defende que se trata de institutos muito próximos, ou até mesmo análogos, o que torna a discussão ainda mais delicada e sujeita a interpretações divergentes. No caso concreto, a diferenciação entre as duas figuras, muitas vezes, é dificultada, pois ambos atuam com vendas para empresas e a atividade acaba sendo bastante similar.
Do ponto de vista empresarial, essa discussão importa porque o risco não está no rótulo do contrato, mas na forma como a relação é estruturada na prática. Se um contrato chamado de “agenciamento” incluir elementos típicos da representação (exclusividade rígida, habitualidade e comissões sobre vendas), há grande chance de que seja requalificado como representação comercial, com todas as suas consequências legais.
Na prática, é frequente a utilização do contrato de agenciamento como forma de mascarar uma verdadeira relação de representação comercial, na tentativa de as empresas se esquivarem dos encargos aplicáveis ao representante. O problema é que, se a estrutura contratual não refletir essa escolha de forma clara, a empresa pode ser surpreendida com custos não previstos.
A jurisprudência é clara ao afirmar que o nome atribuído ao contrato não prevalece sobre a sua essência. O que importa é a comprovação da configuração fática da relação: se há habitualidade, exclusividade, subordinação contratual e remuneração por comissão sobre negócios concluídos, a Justiça tende a reconhecer a existência de vínculo de representação, com todas as suas consequências legais.
A requalificação jurídica do contrato pode gerar impacto financeiro relevante à empresa representada. Uma vez caracterizada a representação comercial, a representada poderá ser compelida a pagar as comissões sobre os negócios realizados durante toda a vigência da relação contratual, bem como uma indenização equivalente a 1/12 do total das comissões auferidas pelo representante nos últimos doze meses, em caso de resilição contratual pela representada. Além disso, podem haver discussões sobre exclusividade territorial, indenizações por quebra de expectativa e outras obrigações acessórias decorrentes do regime legal especial, bem como pagamento de multas por descumprimento das regras previstas na legislação pertinente, custos adicionais decorrentes de eventuais litígios prolongados, incluindo honorários e despesas processuais.
Para mitigar esse risco, é essencial adotar estratégias contratuais claras e coerentes com a natureza do agenciamento. Caso a empresa realmente busque contratar alguém para intermediar seus negócios, realizando vendas, a figura do agenciamento não deve ser utilizada, sob pena de exposição a sérios riscos legais e financeiros.
Ou seja, caso na operação seja, de fato, necessária a previsão de cláusulas que remetam a práticas típicas da representação comercial, como definição de metas que caracterizem a habitualidade da contratação, exclusividade por território ou segmento, uso obrigatório de marca em nome do contratante e remuneração exclusivamente com base em comissões, não deve ser formalizado um contrato de agenciamento, mas sim de representação comercial.
Em suma, a linha que separa o agenciamento da representação comercial é sutil, mas juridicamente decisiva. Ignorar essa distinção pode expor empresas a riscos financeiros expressivos e a litígios prolongados. O uso estratégico de cláusulas claras e compatíveis com a realidade contratual — que deve estar alinhada à prática da execução contratual — é a principal ferramenta para assegurar a validade do contrato de agenciamento e afastar a requalificação indesejada.
No direito contratual, mais do que o rótulo, importa a substância da relação jurídica efetivamente praticada pelas partes e, do ponto de vista negocial, importa alinhar o modelo contratual à estratégia comercial da empresa.