Minha reserva legal e área de preservação permanente me elege para emitir créditos de carbono? Esse é um dos questionamentos mais recorrentes entre proprietários rurais brasileiros diante da recente entrada em vigor da Lei Federal nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.
A dúvida é legítima: se as áreas de Reserva Legal (RL) e de Preservação Permanente (APP) são protegidas por obrigação legal conforme o Código Florestal, Lei Federal nº 12.651/2012, seria possível gerar créditos de carbono por manter essas áreas conservadas? A resposta, à luz da nova legislação, é sim, porém o princípio da adicionalidade impede que projetos de geração de carbono sejam elegíveis para tanto.
Antes de adentrar na análise da possibilidade ou não da elegibilidade de crédito de carbono ser emitido nessas áreas, é necessário explicar o que é o instituto da reserva legal e da área de preservação permanente no Código Florestal. Por reserva legal entende-se a área localizada no interior da propriedade rural destinada ao uso sustentável dos recursos naturais, conservação da biodiversidade e cumprimento da função socioambiental (art. 3º, III, e art. 12, Lei nº 12.651/2012). Já a área de preservação permanente corresponde ao espaço protegido, coberto ou não por vegetação nativa, cuja função é preservar recursos hídricos, estabilidade do solo, biodiversidade e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, II, Lei nº 12.651/2012).
A Lei Federal nº 15.042/2024, artigos 43, § 17º, e 46, que institui o mercado regulado, expressamente reconhece a aptidão dessas áreas para gerar créditos de carbono, desde que cumpram os requisitos técnicos e regulatórios de mensuração, verificação e registro. Contudo, surge o debate sobre o critério da adicionalidade, tradicionalmente exigido nos mercados de carbono, o qual questiona se a conservação já obrigatória por lei pode ser considerada uma mitigação “adicional”.
Importante entender os conceitos legais estabelecidos no Código Florestal para compreender a relação desta norma com a lei do mercado de carbono regulado. Assim, por Reserva Legal, a Lei Federal nº 12.651/2012 define, em seu art. 3º, inciso III, e art. 12, a área situada no interior de uma propriedade ou posse rural que deve ser mantida com vegetação nativa, com a finalidade de assegurar o uso sustentável dos recursos naturais e a conservação dos processos ecológicos e da biodiversidade.
A extensão da Reserva Legal obrigatória varia conforme a localização geográfica do imóvel: 80% para áreas de floresta na Amazônia Legal, 35% para cerrado dentro da Amazônia Legal e 20% para as demais regiões. O art. 3º, inciso II, da referida lei, por sua vez, define Área de Preservação Permanente (APP) como área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, além de facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, tais como as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, as encostas com declividade superior a 45 graus, as restingas, os manguezais, os topos de morros, as bordas de tabuleiros ou chapadas e as veredas.
E aí vem a pergunta: o que é adicionalidade? Eu preservo 20% da minha área com cobertura vegetal; nesse cenário de mudança climática, isso não tem valor nenhum? Estar em conformidade ambiental não me traz benefícios econômicos? Na lógica do homem comum, essas perguntas são pertinentes, uma vez que a mídia constantemente menciona que o agro brasileiro irá se beneficiar do mercado de crédito de carbono e que as áreas rurais serão elegíveis para gerar créditos de carbono.
Porém, na prática, a monetização da conservação dessas áreas dentro das propriedades rurais não ocorre, ou porque não há adicionalidade, ou porque ela é muito pequena para ganhar escala e garantir o custo dos projetos. O conceito de adicionalidade, embora não expressamente previsto na legislação ambiental brasileira, foi desenvolvido no âmbito internacional e trata-se de um critério utilizado para verificar se os benefícios ambientais, notadamente a redução de emissões de gases de efeito estufa, são efetivamente decorrentes da implementação do projeto, sendo, portanto, adicionais ao cenário de referência.
A partir da leitura sistemática da Lei Federal nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), e do Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012), analisa-se a compatibilidade entre a legalidade da proteção dessas áreas e o princípio da adicionalidade, bem como os efeitos da legislação brasileira em face dos padrões de integridade ambiental dos mercados de carbono.
O artigo “A exigência de adicionalidade dos projetos de carbono é injusta?”, publicado pela LACLIMA, discute criticamente esse ponto, argumentando que proprietários que historicamente mantiveram a floresta em pé são desincentivados, enquanto agentes que desmataram e agora restauram obtêm maior acesso ao mercado.
Após a edição da Lei Federal nº 15.042/2024**,** estabeleceu-se a possibilidade de emissão de créditos de carbono a partir da conservação de vegetação nativa protegida por lei. Em tese, a adicionalidade deixa de ser um critério absoluto e passa a ser ponderada em função da realidade normativa e socioambiental brasileira**.** Entretanto, considerando que a norma é recente e o mercado de crédito de carbono não aplica esta lógica nos projetos de crédito de carbono, é alta a probabilidade de que os proprietários rurais tenham dificuldade para monetizar a preservação e conservação das florestas existentes em suas propriedades rurais decorrentes do cumprimento do Código Florestal.
Ao reconhecer a aptidão das áreas de preservação permanente e reservas legais para gerar créditos de carbono, o ordenamento jurídico brasileiro confere o valor econômico destinado à manutenção dos ecossistemas e promove um modelo de desenvolvimento sustentável mais justo e eficaz.