Ajuizadas em 2020 por partidos políticos, as Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 743, 746 e 857 tratam da omissão da União e dos Estados no combate a incêndios na Amazônia e no Pantanal. Na apreciação de tais ações judiciais, diversas medidas foram requeridas e determinadas para a reorganização da política de prevenção e combate aos incêndios naquelas regiões. No entanto, é uma decisão relacionada à supressão da vegetação que merece um olhar atento nessa oportunidade.
Em dezembro de 2024, nos autos da ADPF nº 743, o IBAMA manifestou-se indicando enfrentar grande dificuldade fiscalizatória diante de autorizações emitidas por municípios em desconformidade com a legislação vigente. Para a autarquia, este seria apenas um dos inúmeros problemas enfrentados pelo Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR).
O IBAMA esclarece a questão a partir das competências atribuídas aos diferentes entes federativos. Nesse sentido, explica que a autorização para suprimir vegetação nativa é competência dos Estados, competência esta atribuída em caráter complementar à União. O exercício dessa competência apenas seria possível aos municípios nas hipóteses de convênio ou delegação formal do Estado. No entanto, a falta de adesão de muitos Estados e municípios ao SINAFLOR dificultaria o controle federal sobre a legalidade das Autorizações de Supressão Vegetal (ASVs), comprometendo a fiscalização.
Por essa razão, foi requerido que a Corte determinasse o uso obrigatório do SINAFLOR por todos os entes federativos, inclusive os municípios, com delegação expressa dos Estados. Vale lembrar que o SINAFLOR, Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais, é uma plataforma criada pelo IBAMA com o objetivo de integrar e centralizar as informações relacionadas à exploração de recursos florestais no Brasil. Ele reúne dados sobre autorizações para supressão de vegetação nativa, exploração e manejo florestal, transporte e comercialização de produtos como madeira, carvão e outros derivados. Por meio do SINAFLOR, é possível acompanhar todo o ciclo da atividade florestal, desde a origem até o destino final dos produtos, garantindo mais transparência, controle e rastreabilidade.
Então, em janeiro deste ano, considerando os pontos elencados pelo IBAMA, o Ministro Flávio Dino determinou que (i) os Estados membros da Amazônia e do Pantanal reavaliassem os atos de delegação de emissão de autorização de supressão de vegetação e (ii), caso entendessem pertinente a manutenção das delegações, estabelecessem expressamente que os municípios delegatários utilizem exclusivamente o SINAFLOR para emissão das autorizações de supressão vegetal.
O Ministro estabeleceu ainda que o uso do SINAFLOR também deveria ser realizado pelos próprios Estados, fixando o prazo de 60 (sessenta) dias corridos para as necessárias adaptações administrativas. Superado referido prazo, ficaria vedada a emissão de autorizações de supressão vegetal sem o uso do SINAFLOR, sob pena de nulidade do ato.
Sem dúvida alguma, sob o viés da sustentabilidade, a decisão proferida em janeiro é louvável, alinhando-se à tendência irrefreável de maior interconexão e transparência das informações ambientais. Afinal, o SINAFLOR é essencial para o combate ao desmatamento ilegal, pois permite que os órgãos ambientais monitorem, em tempo real, a legalidade das atividades florestais autorizadas.
No entanto, a operabilidade prática dessa decisão também deve ser analisada. Embora integrantes da mesma região, os Estados e municípios inseridos na Amazônia e no Pantanal guardam importantes diferenças econômicas, sociais e administrativas entre si. Em um contexto de inúmeras peculiaridades locais, tornar factível o uso de um mesmo sistema por tantos entes federativos diferentes pode representar desafio de envergadura maior do que se imagina.
No início de março deste ano, em função de pedidos de reconsideração apresentados, o Ministro determinou que a Advocacia-Geral da União e os representantes dos Estados se manifestem acerca da interoperabilidade dos sistemas estaduais com o SINAFLOR no que se refere às autorizações de supressão de vegetação (ASV).
Assim, diante dos impactos de grande repercussão da decisão proferida em janeiro deste ano, bem como da possibilidade de sua reconsideração, é fundamental o acompanhamento diligente dos desdobramentos da ADPF 743.